O Estado de S. Paulo

‘Linhão emperrado’ pode ficar quase R$ 1 bi mais caro

Sem licenciame­nto ambiental, sete anos após leilão, empresa diz que só acumulou despesas

- André Borges / BRASÍLIA

Posto fiscal na entrada de área indígena onde deve passar último trecho de linha de transmissã­o entre Manaus e Boa Vista.

A obra que deveria interligar a rede nacional de energia está emperrada. Mais de sete anos após ter vencido leilão, a Transnorte, formada pela estatal Eletronort­e e pela empresa Alupar, alega prejuízos com a obra parada e cobra R$ 966 milhões do governo.

As dificuldad­es do governo em liberar as obras da linha de transmissã­o que ligará Manaus (AM) a Boa Vista (RR), um projeto que tem tirado o sono do presidente Jair Bolsonaro, não estão limitadas aos problemas com licenciame­nto ambiental ou impacto a terras indígenas de Roraima. O problema, agora, é dinheiro.

Mais de sete anos depois de ter vencido o leilão para construir a linha de transmissã­o, último trecho que falta no País para interligar a rede nacional de energia, a concession­ária Transnorte, formada pela estatal Eletronort­e e a empresa Alupar, não conseguiu avançar nem um milímetro sequer no projeto, porque não obteve licença ambiental. O governo, agora, promete autorizar a obra e está com o licenciame­nto em vias de ser autorizado, mas a empresa colocou uma conta extra na mesa: a concession­ária cobra R$ 966 milhões a mais, sob alegação de que foi prejudicad­a pelo atraso sem ter culpa de nada.

A informação consta de um ofício emitido na sexta-feira passada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), documento ao qual o Estado teve acesso. No parecer, a empresa argumenta que acumulou despesas que não previa por causa das exigências ambientais e sucessivos adiamentos do projeto. Para reequilibr­ar seu contrato, que tem validade de 30 anos, a Transnorte propõe um parcelamen­to do crédito. Como o pagamento dessas concession­árias é feito anualmente, durante o tempo da concessão, a empresa apresentou uma fatura anual de R$ 395,7 milhões, a ser paga pelos próximos 27 anos. Trata-se de um valor bem superior ao preço previsto em seu contrato original, de 2011, que previa o pagamento de R$ 121,1 milhões por ano, a preços da época. A área técnica da Aneel não concorda com a cobrança.

No meio do caminho. Depois de analisar o pedido, a agência rejeitou uma série de argumentos da empresa, sob justificat­iva de que ela sempre soube que havia uma terra indígena no meio do caminho da linha. “O vencedor da licitação não pode se eximir ou alegar desconheci­mento de tais fatores”, afirmou a agência. Por outro lado, a Aneel reconheceu que “não era razoável inferir, ou inferir como previsível, que o processo de licenciame­nto ambiental, incluindo embargos judiciais, fosse demandar mais de sete anos de discussão com a comunidade indígena e o Estado”.

Ao pesar os argumentos, a Aneel chegou a uma outra conta – bem inferior – e propõe o pagamento anual de R$ 256,9 milhões, pelo prazo de 19 anos e meio. O Estado apurou que a Transnorte se reuniu nesta semana para tratar do assunto. Tanto a Alupar quanto a Eletronort­e, donas da concession­ária, foram procuradas para comentar o assunto, mas não respondera­m ao pedido de entrevista até o fechamento desta reportagem. A Aneel não comenta o tema, que ainda precisa passar pela diretoria colegiada da agência. O Ministério de Minas e Energia (MME) também não se manifestou.

A falta de acordo pode reforçar o desejo da concession­ária de pedir a extinção do contrato.

A Aneel já chegou a concordar com esse pedido da empresa, mas o MME negou e quer ver a linha em construção.

O presidente Bolsonaro tem cobrado incisivame­nte a liberação da linha. Leiloada em setembro de 2011, a rede Manaus-Boa Vista tinha prazo de três anos para ficar pronta, com entrada em operação prevista para janeiro de 2015. Do total de 721 km do traçado previsto para ser erguido em área próxima da BR-174 que liga as duas capitais, 125 km passam dentro da terra indígena waimiri atroari, onde estão 31 aldeias e vivem 1,6 mil índios. Os povos indígenas não são contra o projeto, mas exigem que sejam consultado­s e que tenham seus pedidos atendidos por causa dos impactos ambientais.

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BRUNO KELLY / ESTADAO Obra. Linha que liga AM a RR passará por terra indígena

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