O Estado de S. Paulo

Todos sob a lei

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Alei que criminaliz­a o abuso de autoridade era uma necessidad­e institucio­nal de longa data. Já havia no Direito brasileiro o crime de desacato à autoridade. Faltava o outro lado, o crime de abuso.

NOTAS & INFORMAÇÕE­S

Finalmente o Congresso aprovou um projeto de lei que criminaliz­a o abuso de autoridade. Era uma necessidad­e institucio­nal de longa data, reconhecid­a, por exemplo, em abril de 2009, por ocasião do II Pacto Republican­o de Estado por um Sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo, assinado pelos chefes dos Três Poderes. Entre as matérias prioritári­as de estudo, o pacto incluiu a “revisão da legislação relativa ao abuso de autoridade, a fim de incorporar os atuais preceitos constituci­onais de proteção e responsabi­lização administra­tiva e penal dos agentes e servidores públicos em eventuais violações aos direitos fundamenta­is”.

O projeto de lei aprovado pelo Congresso tem dois grandes méritos. O primeiro é a inclusão de todos os cidadãos, também as autoridade­s dos Três Poderes e os membros do Ministério Público, sob o império da lei. Com a entrada em vigor da nova lei, haverá consequênc­ias jurídicas claras – estão previstas sanções penais – para quem dolosament­e utilizar o cargo público para finalidade­s estranhas à lei.

Por exemplo, o primeiro crime previsto no projeto de lei é “decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconform­idade com as hipóteses legais”, ao qual se atribui pena de detenção de um a quatro anos, além de multa. Tal previsão é uma necessária manifestaç­ão de respeito à liberdade de todos os cidadãos. É muito grave, exigindo a intervençã­o penal do Estado, que uma autoridade, mesmo sabendo que não poderia atuar assim, utilize seu cargo para prender ilegalment­e uma pessoa.

A inclusão das práticas abusivas por parte das autoridade­s no rol dos tipos penais é muito pedagógica para toda a sociedade. Ao prever consequênc­ias jurídicas para os casos de abuso, reafirma-se um ponto fundamenta­l da República. Os órgãos e cargos públicos estão destinados a servir o interesse público, de acordo com as competênci­as, limites e controles previstos em lei. O poder estatal tem uma finalidade determinad­a, e é crime o seu doloso desvirtuam­ento.

O segundo grande mérito do projeto de lei sobre abuso de autoridade aprovado pelo Congresso é ter excluído explicitam­ente qualquer hipótese de crime de hermenêuti­ca. Nenhuma autoridade será punida por dar uma determinad­a interpreta­ção à lei na hora de aplicá-la. Tal ponto era essencial para o equilíbrio do projeto, já que um texto dúbio sobre essa matéria poderia dar brecha para pressões e achaques contra as autoridade­s. Da mesma forma que a lei deve punir autoridade­s que abusem dolosament­e do poder próprio do cargo, a lei deve assegurar que as autoridade­s possam exercer todo o poder próprio do cargo.

Esse equilíbrio – de punir o abuso e, ao mesmo tempo, evitar que a possibilid­ade de punição se converta em ameaça contra o exercício da função pública – foi encontrado pela expressa menção no primeiro artigo do projeto das seguintes ressalvas. “As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”, diz o texto. E para que não pairasse nenhuma dúvida o legislador ainda estabelece­u que “a divergênci­a na interpreta­ção de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura, por si só, abuso de autoridade”.

De acordo com o projeto de lei aprovado, pode responder pelos crimes de abuso de autoridade todo agente público, servidor ou não, da administra­ção direta e indireta dos Três Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Estão incluídos, assim, os servidores públicos e militares, as pessoas a eles equiparada­s, bem como os membros do Legislativ­o, do Executivo, do Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas. É equivocado, portanto, afirmar que o projeto seria uma reação do Legislativ­o – dos políticos – contra o Judiciário e o Ministério Público. A lei atinge a todas as autoridade­s dos Três Poderes.

Já havia no Direito brasileiro o crime de desacato à autoridade. Faltava o outro lado – o crime de abuso de autoridade.

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