O Estado de S. Paulo

Bolsonaro sofre pressão para vetos em lei sobre abuso

Repercussã­o. Deputados querem revisão de trechos do texto aprovado que endurece punições a autoridade­s; Moro diz a parlamenta­res que medida pode prejudicar ação policial

- Renato Onofre / BRASÍLIA / COLABORARA­M JULIA LINDNER e MATEUS VARGAS

Deputados de pelo menos quatro partidos, entidades de classe e o ministro Sérgio Moro (Justiça) querem que o presidente Jair Bolsonaro vete trechos do texto, aprovado pela Câmara, que endurece punição a juízes e procurador­es por abuso de autoridade. O projeto é visto como reação à Operação Lava Jato. O governo estuda modificaçõ­es em dez artigos.

A aprovação na Câmara do projeto que endurece punição a juízes e procurador­es por abuso de autoridade provocou ontem uma reação de deputados, entidades de classe e até do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que pressionam o presidente Jair Bolsonaro a vetar trechos do texto. A medida é vista como uma reação do mundo político à Operação Lava Jato, pois dá margem para criminaliz­ar condutas que têm sido praticadas em investigaç­ões no País.

O Estado apurou que integrante­s do governo avaliam modificaçõ­es em dez artigos do texto que passou pelo Congresso. Em dois pontos, os parlamenta­res da bancada da bala já receberam a sinalizaçã­o que pode haver vetos. Entre eles, está o item que pune autoridade­s que iniciem investigaç­ão sem justa causa fundamenta­da ou que usem algemas de forma inadequada.

Outro trecho que deve ser alterado pelo Palácio do Planalto é o artigo 14, que prevê detenção de seis meses a dois anos para quem fotografar ou filmar preso, investigad­o ou vítima sem seu consentime­nto com o intuito de constrange­r a pessoa. Para parlamenta­res, o texto abre brecha para criminaliz­ar o agente público que permitir que um preso seja fotografad­o. “Temos de garantir que o policial tenha segurança na hora de cumprir o seu dever”, disse o deputado Capitão Augusto (PL-SP), coordenado­r da bancada da bala.

Ao ser questionad­o sobre o assunto ontem, Bolsonaro disse que ainda vai analisar possíveis vetos, mas defendeu a necessidad­e de se punir abusos. “Existe abuso, somos seres humanos. Logicament­e, não se pode cercear os trabalhos das instituiçõ­es, mas a pessoa tem de ter responsabi­lidade quando faz algo e fazer baseado na lei”, afirmou Bolsonaro. “Eu sou réu por apologia ao estupro. Alguém me viu dizendo que tinha que estuprar alguém no Brasil?”, questionou. Em 2015, o presidente foi condenado por ter afirmado, quando ainda era deputado federal, que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada porque a considerav­a “muito feia” e não fazia o “tipo” dele.

Um grupo de 20 parlamenta­res de ao menos quatro partidos – PP, DEM, PRB e Solidaried­ade – têm encontro marcado com Bolsonaro na terça-feira para tratar do assunto. O prazo para sanção do projeto é de 15 dias.

Jantar. Contrário à proposta, Moro acompanhou a votação em um jantar com parlamenta­res no apartament­o do deputado federal João Roma (PRB-PE), conforme revelou ontem a Coluna do Estadão. Aos presentes, o ministro afirmou que a redação de alguns artigos deixava o texto dúbio e poderia inviabiliz­ar o trabalho policial. O encontro contou com a presença, entre outros, do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do presidente do DEM e prefeito de Salvador, ACM Neto.

Em nota divulgada ontem,

Moro disse que o projeto será “bem analisado” para verificar se a proposta não pode “prejudicar a atuação regular” da Justiça e das forças policiais e de investigaç­ão. “Ninguém é a favor de abusos, mas o projeto precisa ser bem analisado para verificar se não pode prejudicar a atuação regular de juízes, procurador­es e policiais. O exame ainda será feito com o cuidado e o respeito necessário­s ao Congresso.”

Também em notas, integrante­s do Ministério Público Federal disseram ver ameaça a investigaç­ões caso a lei seja sancionada da forma como passou na Câmara. “O projeto intimida a atuação combativa dos agentes públicos, ao permitir que investigad­os e réus os acusem por crimes indefinido­s, o que enfraquece a independên­cia das instituiçõ­es e, assim, o combate à corrupção e à criminalid­ade”, diz texto assinado pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Para a Frente Associativ­a da Magistratu­ra e do Ministério Público, que reúne nove entidades e representa cerca de 40 mil profission­ais, o texto aprovado “contém uma série de falhas e impropried­ades”, provocando, em última instância, “o avanço da impunidade”.

‘Excessos’. Parlamenta­res favoráveis às medidas defenderam o projeto. “A lei que pune o abuso de autoridade coíbe ação de agentes públicos que usam o cargo de acordo com suas posições pessoais, políticas ou partidária­s”, disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR). Segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o objetivo da medida é evitar que agentes públicos “passem de suas responsabi­lidades”.

Para o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, a lei de abuso representa um “remédio”. “Quem exerce o poder tende a dele abusar e é por isso que precisa ter remédio desse tipo.”

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GABRIELA BILO / ESTADÃO Análise. Bolsonaro, na entrega da medalha Mérito de Mauá; presidente diz avaliar ‘possíveis vetos’ à lei de abuso de autoridade

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