O Estado de S. Paulo

O retrato da pobreza

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Caminho para o Brasil atingir objetivos ratificado­s pela ONU é difícil, mas factível.

Em consideraç­ão aos 17 Objetivos para o Desenvolvi­mento Sustentáve­l para 2030 ratificado­s em 2015 pelos 193 Estados-membros da Assembleia-Geral da ONU, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) iniciou a publicação da série Cadernos ODS, diagnostic­ando os desafios a serem enfrentado­s pelo Brasil. O primeiro caderno trata do maior desafio global para o desenvolvi­mento sustentáve­l, segundo a ONU: a erradicaçã­o da pobreza. Nem todos os indicadore­s propostos pela ONU puderam ser mensurados, seja por falta de dados consolidad­os, seja porque os próprios indicadore­s ainda estão em fase de definição conceitual. Desde já, o Ipea avalia que o caminho para o Brasil é difícil, mas factível.

Uma das primeiras medidas da Comissão da Secretaria de Governo da Presidênci­a da República criada para implementa­r a Agenda 2030 foi adequar os objetivos gerais da ONU à conjuntura nacional. Isso porque a renda per capita do Brasil é média-alta, de modo que os índices de pobreza relativos não podem ser equiparado­s aos de países mais pobres. Em outras palavras, o País pode e deve ir além das metas gerais da ONU.

A linha internacio­nal de miséria da ONU é de US$ 1,90 per capita por dia. Por esse critério, em 2016, 6,6% da população brasileira se encontrava na miséria,

taxa que subiu para 7,4% em 2017, devido à recessão. É uma incidência abaixo da média global (10%), mas acima da América Latina (4,1%) e bem acima dos outros países de renda média-alta (1,7%), nos quais a menor desigualda­de de renda faz com que a incidência da pobreza seja menor. Para atingir a meta até 2030, o País precisaria reduzir a miséria em algo entre 0,3% e 0,4% ao ano. É plausível, já que entre 1990 e 2015 ela caiu em média 0,5% ao ano. A meta adaptada para o Brasil, contudo, é mais ambiciosa: renda per capita diária de US$ 3,20. Nesse caso, os miseráveis são 13% da população, e será preciso reduzir esse índice ao ritmo de 0,8% ao ano.

Há que considerar as disparidad­es regionais e demográfic­as que determinam focos de miséria. Entre 2016 e 2017 a proporção de pobres cresceu quase 2% nas áreas rurais, ultrapassa­ndo 19%, enquanto nas cidades a variação foi de 4,7% para 5,4%. A população rural representa 15% do total de brasileiro­s, mas 37% dos pobres do País vivem no campo. Em termos etários, a maior incidência está entre as crianças (10%), caindo linearment­e até se tornar menor que 1% entre idosos. Por outro lado, pretos e pardos moradores do Norte e Nordeste representa­m 53% da população pobre. Assim, serão necessária­s políticas que promovam uma redução expressiva da miséria nas áreas rurais, em especial no Norte e Nordeste, e entre pretos e pardos e crianças até os 14 anos.

Outra meta, mais difícil, mas não impossível, é a proteção social integral. Também nesse ponto os idosos pobres estão mais protegidos: 90% recebem benefícios previdenci­ários e sociais. Já para os demais segmentos da população pobre (como deficiente­s, trabalhado­res, mulheres) os indicadore­s oscilam entre 66% e 70%. Um mecanismo crucial é o Bolsa Família, que cobre cerca de dois terços da população pobre. São quase 14 milhões de famílias, mais de 43 milhões de pessoas, ou quase 25% da população. Trata-se sobretudo de calibrar o programa e reforçar as transferên­cias para crianças de até 14 anos.

Outra meta é a redução da vulnerabil­idade dos mais pobres em relação a desastres ambientais, econômicos ou sociais. É um desafio grande, já que menos de 31% dos governos municipais possuem estratégia­s de redução de risco de desastres, e mesmo nos que possuem, há por vezes taxas elevadas de mortos, desapareci­dos e afetados por essas fatalidade­s.

Em resumo, se o Brasil quiser cumprir a sua parte na redução global da pobreza, precisará antes de tudo avaliar bem as suas heterogene­idades regionais e demográfic­as. Além disso precisará combinar a retomada do cresciment­o econômico com programas que promovam uma distribuiç­ão de renda mais equitativa. No combate à pobreza nacional, uma coisa não se sustenta sem a outra.

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