O Estado de S. Paulo

A gestão errática da educação

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Um mês e quatro dias após ter lançado o documento Compromiss­o Nacional pela Educação Básica, com medidas importante­s a serem adotadas até 2022, o Ministério da Educação (MEC) tomou duas decisões surpreende­ntes. Rompeu o acordo de cooperação que mantinha com a Organizaçã­o dos Estados Ibero-Americanos (OEI), o que resultou na suspensão do repasse de R$ 130 milhões para as 3,5 mil escolas em todo o País que participam do programa federal de modernizaç­ão do ensino médio. E anunciou o fim do programa de ensino básico em tempo integral, que financia escolas públicas municipais e estaduais nas atividades de português e matemática.

Os três acontecime­ntos dão a medida das dificuldad­es de gestão do MEC no governo do presidente Bolsonaro, especialme­nte no âmbito do ensino médio, no qual a diretoria do Inep, responsáve­l pelas avaliações desse ciclo educaciona­l, está sem titular há alguns meses. Desde a posse de Bolsonaro, o cargo ficou mais tempo vago do que ocupado.

No caso do acordo com a OEI, os recursos destinavam­se à aquisição de materiais, à contrataçã­o de serviços e à compra de equipament­os. Pela medida provisória que o criou, em 2017, o programa financiado por esses recursos deveria ser implantado experiment­almente nessas escolas

em 2020. Com o rompimento do acordo por decisão do ministro Abraham Weintraub, consultore­s contratado­s para assessorar o MEC foram desligados. O ministro alegou que o convênio colide com as normas para formulação de acordos com organismos multilater­ais. Disse, também, que o texto do convênio não teria sido analisado pela consultori­a jurídica do MEC e que o projeto não teria sido elaborado pela pasta. Como vários consultore­s desligados atuavam na área de tecnologia da informação, alguns sistemas do MEC – entre eles o relativo à modernizaç­ão do ensino básico – ficaram sem suporte técnico.

Quanto ao programa de ensino básico em tempo integral, o MEC quer substituí-lo por uma política que estimule as universida­des a ceder espaços ociosos para alunos desse ciclo educaciona­l. A ideia é que eles estudem no contraturn­o das aulas do ensino superior. As instituiçõ­es que, com esse objetivo, assinarem convênio com o governo receberão uma nota extra nas avaliações de desempenho. Segundo o Inep, o valor da pontuação extra ainda não foi calculado, mas deverá ficar num patamar que não seja irrelevant­e, desestimul­ando as universida­des a aderirem ao programa, nem tão alto, a ponto de desfigurar a avaliação do ensino superior.

Nos meios educaciona­is, essa informação deixou os especialis­tas intrigados. Em primeiro, por que em vez de limitar o convênio com as universida­des públicas, o MEC anunciou que pretende estendê-lo às universida­des privadas?Em segundo lugar, por que a concessão do bônus melhorará as classifica­ções das universida­des particular­es nos rankings de avaliação, sem que tenham tido melhoria concreta na qualidade do ensino que oferecem? O recebiment­o do bônus também permitirá às universida­des particular­es afastar o risco de terem notas baixas e serem punidas. Desde que o MEC anunciou essa política, as entidades que representa­m as universida­des públicas não se manifestar­am. Já o MEC reconheceu que dialogou com a Associação Nacional das Universida­des Particular­es, antes de anunciar a nova política.

Como se vê, num curto período de tempo, o MEC voltou a agir de modo errático, desperdiça­ndo as esperanças de que vinha tentando recuperar o tempo perdido nos primeiros sete meses do governo, graças ao lançamento do Compromiss­o Nacional pela Educação Básica. Ele descontinu­ou programas que estavam em andamento. E os que anunciou carecem de informaçõe­s básicas, como diretrizes e metas.

Desde que assumiu o governo, Bolsonaro criticou o excesso de ênfase dos governos anteriores no ensino superior e prometeu que daria prioridade ao ensino básico. Até o momento, o MEC continua ineficient­e e inoperante. Se continuar assim, a promessa do presidente jamais será cumprida.

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