O Estado de S. Paulo

Pró-corrupção

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Oministro Paulo Guedes recebeu um ofício do Grupo de Ação Financeira Internacio­nal (Gafi), vinculado à OCDE, estranhand­o a decisão do Supremo de vetar investigaç­ões com base em dados do Coaf, do BC e da Receita. Desrespeit­ar as 40 normas do Gafi projeta dificuldad­e de crédito, de comércio e de relações com organizaçõ­es e demais países, além de ameaçar a aproximaçã­o com a OCDE. É isso mesmo que o Brasil quer?

Não adianta fingir que não sabe, não viu, não ouviu o ataque de forças poderosas e variadas às frentes

de combate à corrupção no Brasil, que não se resumem à Lava Jato. Ela é a maior e mais reluzente, não a única.

Na linha de tiro estão o Ministério Público, a Receita, o Coaf (que identifica movimentaç­ões atípicas) e o Cade (que, por exemplo, avalia fusões). A Justiça não passa incólume. Veja as tentativas de desgastar Sérgio Moro e as ameaças ao Supremo – que tanto participa dos ataques como é alvo deles.

As investidas não partem só do Congresso e de ministros do Supremo, têm a participaç­ão direta do governo. O próprio presidente Jair Bolsonaro, que já deu um jeito de intervir no Coaf e dar um chega pra lá na Receita Federal, ontem causou grande alvoroço na Polícia Federal, ao anunciar: “Vou mudar o diretor da PF no Rio. Motivos? Gestão e produtivid­ade”.

Tudo no Rio é mais complicado mesmo, com todos os ex-governador­es vivos entrando e saindo da cadeia, por exemplo, mas quem muda superinten­dente é o diretor-geral da PF, um órgão de excelência que tem mantido invejável independên­cia até no turbilhão do mensalão e do petrolão na era PT. Para que o presidente se meter na PF e criar mais uma confusão desnecessá­ria?

Na versão oficial, a troca do delegado Ricardo Saadi por Carlos Henrique Sousa já estava definida havia tempos, sem dor, sem trauma, como deve ser. Com a interferên­cia de Bolsonaro, que já ataca o Coaf e a Receita, a suavidade foi para o espaço e a corporação chiou.

O curioso é que Bolsonaro fez toda a sua campanha em cima do combate à corrupção e não titubeou ao aceitar a sugestão do economista Paulo Guedes para nomear justamente Moro para a Justiça. Um golaço. Mas, com a posse, a caneta Bic na mão e as notícias nada edificante­s sobre os gabinetes políticos da família, tudo mudou.

Mais curioso, ainda, é a aliança tácita entre setores do Executivo, do Judiciário e do Legislativ­o. Ora eles enfraquece­m ostensivam­ente o Coaf. Ora fazem um conchavo para montar a equipe do Cade. Agora aprovam, em tempo recorde e sem votação nominal, a síntese de tudo isso: a lei de combate ao abuso de autoridade.

O derrotado nesses três exemplos é sempre Sérgio Moro, que deixou de ser superminis­tro e troféu. Perdeu o Coaf, fundamenta­l contra a lavagem de dinheiro, perdeu o direito de nomear metade dos integrante­s do Cade, vê o presidente metendo a mão na PF e, em vez de aprovar seu pacote anticorrup­ção e anticrime, tem de engolir goela abaixo o oposto: a lei do abuso, com alta carga de subjetivid­ade.

Há, sim, exageros de agentes de Estado que se sentem acima das leis e normas e se escudam na máxima de que “os fins justificam os meios”. Logo, uma lei contra abusos, fabricação de provas, exposição desnecessá­ria de investigad­os, uso de algemas a torto e a direito... faz sentido. A questão, porém, é outra.

Por que agora e tão rápido? E por que engavetar as dez medidas contra a corrupção, depois o pacote Moro e colocar no lugar justamente o oposto? A resposta é clara: a gangorra inverteu. A Lava Jato perdeu fôlego, as forças inimigas dela se fortalecer­am. Não se combate a corrupção, combate-se quem e o que combate a corrupção. Isso pode sair muito caro, inclusive internacio­nalmente. Atenção ao Gafi. Isso é sério.

A Lava Jato foi um sucesso internacio­nal, mas o Brasil recua e volta tudo atrás

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