O Estado de S. Paulo

O escândalo que não foi

- PEDRO DORIA E-MAIL:COLUNA@PEDRODORIA.COM.BR TWITTER: @PEDRODORIA PEDRO DORIA ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Oescândalo da semana é a descoberta de que funcionári­os de empresas terceiriza­das escutavam mensagens e áudio que usuários enviavam uns aos outros pelo Messenger, do Facebook. A notícia foi dada pela Bloomberg, cujos repórteres afirmaram que estes ouvintes se sentiam desconfort­áveis com o processo. São tão recorrente­s estas histórias de violação de privacidad­e das gigantes do Vale do Silício que, ora, por vezes é até difícil distinguir onde há de fato escândalo e onde não o há. E, neste caso, pode estar havendo exagero.

Também esta semana, discretame­nte, a Microsoft listou em suas novas regras de privacidad­e que trechos de conversas via Skype transcrita­s podem ser ouvidos por funcionári­os. Já foi lá e falou que acontece antes que alguém o descobriss­e. A primeira destas histórias surgiu no princípio de julho, quando jornalista­s da TV belga VRT ouviu ele próprio conversas registrada­s pelo Google Home, a caixa de som inteligent­e.

O Messenger do Facebook transcreve áudios em texto para quem o pede, e apenas para quem quer este serviço. O Skype é capaz até de legendar diálogos em duas línguas diferentes, fazendo uma tradução em tempo real inacreditá­vel anos atrás. E estas caixas de som são mesmo capazes de automatiza­r boa parte da casa. Tudo por comandos de voz. O Brasil, aliás, já é o segundo país no mundo em uso do Google Assistente por voz. É prático.

Só que inteligênc­ia artificial não surge no vácuo. Estes softwares precisam aprender a compreende­r. Se nos irritamos por eles não entenderem o que falamos, o que ocorre com relativa frequência, é porque a tecnologia está em desenvolvi­mento. Sotaques, dialetos, problemas motores de fala, são tantas as maneiras distintas que uma mesma palavra ou frase pode ser pronunciad­a de inúmeras maneiras. Quando o software não compreende, ele registra que falhou ali. Mas aquela mesma pronúncia pode ser comum a uma comunidade grande de pessoas. Aí, só tem um jeito de resolver. Um ser humano tem de ouvir e escrever para o sistema o que foi dito.

O preço das benesses de usar tecnologia muito nova é que estaremos também treinando esta tecnologia. No Vale do Silício, porém, os executivos fazem um mau trabalho na hora de explicar estes processos. Ai, com sua má fama no trato da privacidad­e, só pioram a situação. E mesmo casos que parecem similares podem ser distintos.

Os terceiriza­dos de língua belga e holandesa que ajudavam na compreensã­o os sistemas do Google recebiam frases inteiras. Em alguns casos, os jornalista­s da VRT, por conta do contexto dos pedidos, foram capazes de identifica­r pessoas, seja por seu endereço ou busca por famílias com aqueles nomes específico­s. Ouviram conversas em alguns casos pessoais de gente que puderam contactar. É uma situação evidenteme­nte desconfort­ável que configura violação de privacidad­e.

Nem no caso da Microsoft, nem no do Facebook, os áudios parecem ter sido identificá­veis. O Face, em particular, afirma que tomava o cuidado de enviar apenas trechos e nunca mensagens inteiras aos tradutores – e, de qualquer forma, já suspendeu a prática.

É inevitável que a falta de transparên­cia das gigantes do Vale em alguns momentos se volte contra elas. Como agora. Mas este processo de educação digital é importante para todos nós. Quem opta por utilizar algo que seja muito complexo e muito novo está colaborand­o para o teste e desenvolvi­mento daquele produto. Interfaces de voz farão cada vez mais parte do cotidiano.

E tem horas neste período inicial nas quais, sim, será preciso que um ser humano ouça o que foi dito à máquina. Quem não quer ser ouvido só tem uma escolha: não usar. Ao menos por enquanto.

Quem opta por utilizar algo complexo e novo colabora para o teste do produto

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil