O Estado de S. Paulo

Fuja da sala de aula se for capaz

Presos em uma sala misteriosa, cheia de cofres e cadeados, os alunos têm de resolver enigmas

- Júlia Marques

Febre no exterior, os escape rooms chegaram às escolas do País, como o Colégio Santa Catarina, em São Paulo

(foto). Para sair da sala com cadeados e cofres antes do fim do tempo, os alunos têm de resolver enigmas de temas como Matemática e Biologia. As soluções surgem só com o trabalho em equipe.

Aregra é só uma: escapar antes que o tempo acabe. Já a quantidade de usos pedagógico­s desse jogo se multiplica na medida da criativida­de dos professore­s. Febre no exterior – e opção de lazer que também caiu no gosto dos brasileiro­s –, os escape rooms agora desembarca­ram nas escolas. Presos dentro de uma sala misteriosa, cheia de cofres e cadeados, os alunos têm de resolver juntos uma série de enigmas para encontrar a chave da liberdade.

Enquanto os problemas podem passar pela Geografia, Biologia e Matemática, as soluções vêm, necessaria­mente, do trabalho em equipe. Nos escapes, não existe um ganhador: ou todos saem

ou nada feito. Alunos com espírito de liderança ajudam a coordenar o grupo ao mesmo tempo em que outros trabalham para acalmar os colegas.

Foram três meses quebrando a cabeça – até nas férias – para que o professor Renato Aruta conseguiss­e finalmente montar um escape room à altura da perspicáci­a dos estudantes do 3.º ano do ensino médio do Colégio Santa Catarina, na zona leste de São Paulo. No dia da atividade, levou alunos para dentro da sala e apenas avisou, solene: “Vocês têm 30 minutos para sair daí”.

“Não acredito que ele fez isso com a gente”, pensava Giovanna Coppi, de 17 anos, uma das “detidas”, enquanto Aruta monitorava os alunos – e se divertia – por meio de uma câmera instalada na sala. A incredulid­ade deu lugar ao corre-corre e logo a turma entrou no espírito.

Quem tinha intimidade com mapas ajudou a desvendar códigos escondidos em coordenada­s geográfica­s. Fãs da Matemática se debruçaram sobre cálculos.

Mas o reforço dos conteúdos foi apenas um efeito colateral. “A ideia foi unir caracterís­ticas de cada aluno, como liderança, capacidade de resolver problemas”, explica Aruta. Para professor e estudantes, conhecer mais o outro revelou boas surpresas

– e acendeu novas ideias.

“Tem uma amiga que é bem quietinha. Nunca imaginei que ela organizari­a tudo enquanto estavam todos nervosos”, exemplific­a Luísa Pontes, de 16 anos. “Por tomar o controle da situação, gosto de trabalhar o modo como trato os amigos. Não quero ser a que impõe”, diz Giovanna. Atividades como os escape rooms se inserem em um contexto de valorizaçã­o das habilidade­s socioemoci­onais, decisivas para a formação dos jovens e o bem-estar na escola.

Bullying em foco. No Colégio Humboldt, na zona sul, a sala foi montada por uma empresa especializ­ada. Uma história fictícia, sobre uma criança que sofria bullying, foi contada aos jovens do 7.º e do 8.º ano como pano de fundo do jogo. “Tínhamos alguns alunos novos e queríamos

ter maior integração”, diz a professora Melissa Ufer. O tilintar de um telefone na sala dava corda ao clima de mistério. Sudoku, charadas e símbolos levavam os alunos à saída. E, depois de “libertos”, era hora de um bate-papo sobre relacionam­entos na turma.

Para Corinne Sanchez, de 13 anos, além de divertida, a atividade sem interferên­cia de adultos teve a vantagem de colocar os jovens como protagonis­tas. “O professor é nossa autoridade, mas também é gostoso ter um pouco do comando do estudo. Gosto de aprender por mim mesma, me virar.”

No Colégio Magno, zona sul, o protagonis­mo dos alunos foi explorado ao máximo em um escape room que eles mesmos construíra­m. Durante meses, o 9.º ano elaborou enigmas e montou todo o cenário da sala, que

propunha reflexões sobre questões ambientais.

Para conhecer a engenhosid­ade de um escape room, eles chegaram a frequentar salas profission­ais, fizeram eleições de charadas e testaram o grau de dificuldad­e de seus enigmas com os colegas. No final, inaugurara­m o jogo para outros estudantes, pais, professore­s e até moradores do bairro. “A gente fazia reuniões, um pesquisava, outro buscava materiais. Juntamos as peças”, conta Daniel Bernis, de 15 anos.

Agora, o mesmo processo está sendo replicado com estudantes ainda mais novos. “Ouvi de uma aluna: ‘Nunca me senti com tanto poder. Essa ideia é minha’”, conta Daniela Camargo, coordenado­ra de Ciências e responsáve­l pelo projeto. “O que fazemos é mediar. E não há tanto conflito porque eles precisam escutar o outro.”

Criativida­de. Para Margareth Polido Pires, do Instituto Singularid­ades, voltado para a formação de professore­s, atividades desse tipo têm o potencial de colocar os estudantes para “acionar conhecimen­tos” na resolução de problemas reais. E não precisam de sofisticaç­ão técnica para cumprir o objetivo. “Podem ser feitos pequenos estudos de casos que tenham esse caráter de um enigma”, exemplific­a. “Depende da formação do professor e do acolhiment­o da instituiçã­o a esse poder criativo.”

“Colocar esses meninos para trabalhar, para fazer as coisas, é o que eles querem. Essa geração precisa de coisas cativantes e desafiador­as.” Renato Aruta PROFESSOR DO COLÉGIO SANTA CATARINA

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FELIPE RAU/ESTADÃO
 ?? FELIPE RAU/ESTADÃO ?? 30 minutos para sair. O professor Renato (ao centro) levou três meses – e usou até as férias – para preparar o desafio: atividade reforça conteúdos e trabalha empatia e liderança
FELIPE RAU/ESTADÃO 30 minutos para sair. O professor Renato (ao centro) levou três meses – e usou até as férias – para preparar o desafio: atividade reforça conteúdos e trabalha empatia e liderança
 ?? VICTOR ALMEIDA/COMUNICAÇíO COLÉGIO MAGNO ?? Construção. Durante meses, alunos do 9º ano preparam a sala para os colegas mais novos
VICTOR ALMEIDA/COMUNICAÇíO COLÉGIO MAGNO Construção. Durante meses, alunos do 9º ano preparam a sala para os colegas mais novos

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