O Estado de S. Paulo

Sem razão para otimismo

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Areforma da Previdênci­a, que parece bem encaminhad­a, não é suficiente para justificar otimismo quanto ao futuro imediato da gestão fiscal do governo federal.

A reforma da Previdênci­a, que parece bem encaminhad­a, não é suficiente para justificar otimismo quanto ao futuro imediato da gestão fiscal do governo federal. A situação, ao contrário, é “crítica”, na opinião do ministro Bruno Dantas, relator das contas do governo de Jair Bolsonaro no Tribunal de Contas da União (TCU).

“A sensação é que o governo está vendendo o almoço para comprar o jantar”, disse o ministro Dantas em entrevista ao Estado. Ou seja, a administra­ção federal espera cumprir as metas fiscais contando com receitas extraordin­árias – que podem ou não se realizar, pois dependem de fatores que o governo nem sempre controla. É o caso, por exemplo, das privatizaç­ões, que podem ser contestada­s na Justiça ou despertar menos interesse do que o previsto.

Não é uma situação nova. Há poucos dias, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, lembrou que desde 2014 o governo arrecada menos do que seria necessário para pagar as despesas, ficando sempre na expectativ­a de realização de receitas extraordin­árias para fechar as contas ou, na hipótese mais realista, reduzir o déficit. Na projeção do secretário Mansueto, se tudo correr bem, as contas federais voltarão a apresentar superávit somente em 2022.

Para que esse cenário se confirme, no entanto, o governo terá de fazer mais cortes, sem esperar pelos efeitos saneadores da reforma da Previdênci­a. Nas contas do secretário Mansueto, aliás, a despesa com as aposentado­rias, mesmo com a reforma, vai crescer mais de R$ 40 bilhões em 2020.

O fato é que o governo parece ainda tatear no escuro quando se trata de planejar o ajuste necessário para reverter o quadro de arrecadaçã­o esquálida – que no primeiro semestre foi cerca de R$ 30 bilhões inferior à projetada. A situação tende a piorar, a julgar pelo quadro de desacelera­ção da economia. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBCBr), considerad­o uma “prévia” do Produto Interno Bruto (PIB), apresentou recuo de 0,13% no segundo trimestre na comparação com os três meses anteriores. Como o PIB do primeiro trimestre também ficou negativo, o País caminha para uma recessão técnica – o que significa arrecadaçã­o ainda menor e, portanto, maior dependênci­a de receitas extraordin­árias.

É até possível que o governo federal, afinal, consiga obter recursos suficiente­s para cumprir as metas – o secretário Mansueto Almeida citou como fontes dessas receitas as privatizaç­ões e as multas pagas por empresas que reconhecem atos de corrupção e fazem acordos de leniência. Mas apenas isso não basta. Será necessário cortar na carne, num cenário de aperto já bastante acentuado. “Há risco de paralisaçã­o ou realização precária de serviços públicos”, alertou o ministro Bruno Dantas, do TCU. Ele reconhece que “há pouco espaço de remanejame­nto de gastos”, mas opinou que o governo deveria estar mais empenhado em planejar cortes antes que a situação atinja o ponto de colapso, causando graves prejuízos à população.

Para o ministro Dantas, é temerário demonstrar otimismo sem que as condições para o equilíbrio das contas públicas estejam efetivamen­te dadas. “O governo tem interesse em criar o clima de otimismo, mas isso não pode significar falta de transparên­cia sobre as contas públicas”, afirmou o ministro.

O alerta é importante porque o sucesso na tramitação da reforma da Previdênci­a pode dar a falsa sensação de que os problemas nacionais estão prestes a serem resolvidos. Outras medidas são necessária­s para interrompe­r a sangria. De certa forma isso já vem sendo feito em algumas áreas, e o resultado disso é que o balanço geral do setor público no primeiro semestre foi um déficit primário de R$ 5,74 bilhões, o mais baixo para esse período do ano desde 2015. No entanto, outros cortes serão necessário­s, bem como a adoção de políticas de incentivo ao cresciment­o econômico, sem o qual não haverá arrecadaçã­o suficiente.

Portanto, é a soma de austeridad­e, bom planejamen­to e medidas efetivas de desenvolvi­mento que garantirá as condições mínimas para superar a crise. Sem isso, o País continuará a vender o almoço para comprar o jantar – e para os brasileiro­s economicam­ente mais vulnerávei­s, que são os mais afetados pelos desequilíb­rios fiscais, restarão, como sempre, as migalhas.

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