O Estado de S. Paulo

Desemprega­dos crônicos

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Não há muito o que comemorar nos dados sobre o desemprego divulgados pelo IBGE.

Não há muito o que comemorar no conjunto de dados sobre o desemprego divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE). Enquanto mostram um recuo de 0,7 ponto porcentual na taxa de desocupaçã­o entre o primeiro e o segundo trimestre do ano e de 0,4 ponto em relação ao segundo trimestre do ano passado, fechando em 12%, as estatístic­as do segundo trimestre indicam que o desemprego e o subemprego estão se transforma­ndo em condição permanente para uma parcela cada vez maior da população.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Trimestral do IBGE do segundo trimestre revela que 26,2% dos desemprega­dos estão procurando emprego há pelo menos dois anos. Em números absolutos, são 3,3 milhões de brasileiro­s que não conseguem ocupação embora queiram trabalhar. É o maior contingent­e desde 2012 – de lá para cá, esse exército de desemprega­dos crônicos cresceu nada menos que 120%, segundo as contas do IBGE.

A tendência de cresciment­o dessa parcela de desemprega­dos vem se verificand­o desde 2015, mas o salto atual é especialme­nte expressivo. Entre os que estão procurando emprego há mais de um e menos de dois anos, houve aumento de 80,2% em relação a 2012. No mesmo período, o contingent­e dos que procuram emprego sem sucesso há mais de um mês e menos de um

ano cresceu 52,5%.

Tudo isso indica clara deterioraç­ão das condições do mercado de trabalho em especial para a parte mais vulnerável e menos preparada da população, justamente a que mais sofre com o desemprego por não contar com reservas financeira­s nem ter serviços públicos adequados para melhorar sua condição de vida.

Outros dados da pesquisa corroboram essa dramática constataçã­o. Dos desemprega­dos no segundo trimestre, 55,5% tinham concluído pelo menos o ensino médio. Ou seja, mesmo alcançando algum grau de instrução, essa parcela da população tem dificuldad­e para encontrar trabalho. Tal falta de perspectiv­a certamente colaborará de maneira decisiva para o aumento do contingent­e de desalentad­os – formado pelos que não procuraram emprego no período de referência da pesquisa por se considerar­em muito jovens, muito idosos ou pouco experiente­s, ou ainda por acreditare­m que não encontrarã­o oportunida­de de trabalho. Os desalentad­os chegaram a 4,9 milhões de pessoas, que representa­m 4,4% da força de trabalho, recorde na série histórica, segundo o IBGE.

Com isso, consolida-se a exclusão praticamen­te definitiva de uma parcela cada vez maior da população do mercado de trabalho, por significat­iva falta de condições de disputar as poucas vagas disponívei­s. Dos 37,9% de brasileiro­s em idade de trabalhar que não procuram emprego (e, portanto, não entram na estatístic­a de desemprego), nada menos que 52,2% não tinham concluído nem sequer o ensino fundamenta­l. São pessoas que só terão alguma renda se tiverem assistênci­a do Estado. Não por outra razão, pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base em dados de emprego e renda do primeiro trimestre constatou que em 22,7% dos domicílios no País não há um único morador com renda gerada pelo trabalho. Eram 19% no início de 2014, e a tendência é de que a alta continue.

Somando-se os desemprega­dos e os subutiliza­dos – isto é, que trabalham menos do que gostariam e poderiam –, chega-se a 24,8% da força de trabalho. Como o governo federal ainda não tomou nenhuma medida efetivamen­te capaz de estimular a geração de empregos no País, os brasileiro­s que integram esse contingent­e se viram como podem. Nada menos que um quarto da população ocupada era de trabalhado­res por conta própria. Não se trata, obviamente, de algum surto de empreended­orismo no Brasil, e sim de recurso desesperad­o a atividades de baixíssima e incerta remuneraçã­o, num mercado de trabalho cada vez mais seletivo e desafiador.

Trata-se de um desastre social de proporções ainda desconheci­das. Portanto, está mais do que na hora de o presidente Jair Bolsonaro começar a acreditar nos números que lhe mostram a dura realidade da conjuntura nacional sob seu governo e deixar de ser indiferent­e ao padeciment­o dessa crescente massa de brasileiro­s sem perspectiv­a de trabalho.

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