O Estado de S. Paulo

Jair em seu mundinho

- VERA MAGALHÃES E-MAIL: VERA.MAGALHAES@ESTADAO.COM TWITTER: @VERAMAGALH­AES POLITICA.ESTADAO.COM.BR/COLUNAS/VERA-MAGALHAES/

Não se tem notícia, entre a coleção aparenteme­nte infindável de declaraçõe­s sem pé nem cabeça que é capaz de produzir, que Jair Bolsonaro já tenha flertado com a teoria da terra plana. Mas a julgar pela visão de mundo que tem externado em falas, gestos e políticas de seu governo, o presidente brasileiro acha que o mundo é estreito e dividido toscamente entre esquerda e direita, amigos e inimigos, mocinhos e bandidos. E nem na hora de catalogar os países e colocá-los nessas caixinhas ele demonstra alguma clareza.

O nível dos impropério­s dirigidos à

Noruega e à Alemanha por Bolsonaro é difícil até de analisar. Diante da suspensão de quase R$ 300 milhões do Fundo Amazônia por esses dois países, o presidente se saiu com mitadas sem nexo, do nível que alunos da quinta série dirigem uns aos outros no recreio. Algo como: “Eles (os norueguese­s vilões) que usem o dinheiro para refloresta­r a Alemanha”. Pausa para constrangi­mento geral.

Desde 2009, os dois países já doaram (doaram, não emprestara­m) R$ 3,4 bilhões para o fundo. A maior parte desse dinheiro vai para órgãos dos governos federal e estaduais, como o sucateado Ibama, e se destina a comprar veículos para fiscalizaç­ão de ações de desmatamen­to, grilagem e outras práticas criminosas. Os recursos são administra­dos pelo BNDES.

Abrir mão desses recursos num cenário em que as restrições orçamentár­ias atingem mais fortemente pastas como a do Meio Ambiente, historicam­ente um patinho feio na Esplanada, não é nenhuma afirmação de soberania, não se trata de substituir uma “narrativa esquerdist­a” por outra de direita e nenhuma bobagem similar. Trata-se única e exclusivam­ente de rasgar dinheiro e passar vergonha diante do mundo. Esse que Bolsonaro teima em estreitar e perante o qual insiste em diminuir o Brasil.

O presidente e seu ministro do Meio Ambiente preferem mitar para a aldeia de convertido­s, não se importando nem em ameaçar, no médio prazo, a reputação inclusive do agronegóci­o brasileiro, que teoricamen­te pretendem prestigiar. O 17.º Congresso Brasileiro do Agronegóci­o, realizado pela Abag (Associação Brasileira do Agronegóci­o), foi aberto por uma fala de Jingtao Chi, presidente da COFCO Internatio­nal, a maior estatal chinesa da área de processame­nto, fabricação e comerciali­zação de alimentos. Em resumo, o maior comprador das commoditie­s agrícolas brasileira­s.

A sustentabi­lidade esteve no centro do discurso do chinês, de tal forma enfatizada que chamou a atenção e preocupou os representa­ntes do agronegóci­o brasileiro presentes na plateia. Ele deu uma mensagem clara: os chineses se preocupam com a origem sustentáve­l dos alimentos que consomem. Não estamos falando da Europa para a qual Bolsonaro torce o nariz. Mas dos nossos maiores compradore­s.

Em outra frente, a forma truculenta com que Bolsonaro dá pitaco na eleição da Argentina, contrarian­do qualquer manual básico de diplomacia, começa a ameaçar inclusive a continuida­de do Mercosul, caso a chapa Fernandez-Kirchner vença. A retórica incendiári­a vem depois da assinatura do acordo histórico entre o bloco e a União Europeia – acordo este, aliás, que tem uma série de obstáculos pela frente, inclusive referentes às mesmas questões ambientais, para ser plenamente referendad­o e entrar em vigor, algo previsto só para daqui a alguns anos.

Perante o mundo, uma política externa assim abilolada deteriora a imagem do Brasil, que passa a ser visto como um país que despreza acordos, trata parceiros como inimigos, debocha de aliados, se porta de forma subservien­te em relação aos Estados Unidos e não tem nenhum plano de ação para conter o inconteste aumento do desmatamen­to que já nos faz perder dinheiro e pode nos levar no curto prazo a perder negócios.

Declaraçõe­s do presidente indispõem o Brasil com outros países e ameaçam negócios

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