O Estado de S. Paulo

Um árbitro, finalmente

- UGO GIORGETTI E-MAIL: UGOG@ESTADAO.COM

Vi Grêmio x Athletico-PR no campo do Grêmio pela Copa do Brasil. Fiquei curioso com a atuação do árbitro e, para me certificar do nome, fui ao Google. Havia várias informaçõe­s sobre lances, gols, etc. Sobre o nome do juiz havia duas informaçõe­s perdidas no meio dos relatos da partida. Uma chamando o juiz de Marcelo Henrique de Lima outra de Marcelo de Lima Henrique. Essa dualidade de nomes, talvez já corrigida, parece insignific­ante, mas não é. Revela a desimportâ­ncia, menosprezo e superficia­lidade desse personagem do futebol.

No entanto, seja Marcelo Henrique de Lima, seja Marcelo de Lima Henrique, esse juiz me impression­ou a ponto de ir pesquisar seu nome, que na hora da transmissã­o me escapou. Finalmente vi um árbitro em ação. Foi assim: André, avante do Grêmio, lançou-se área adentro e, acossado por um defensor, caiu. A torcida bradou e Renato Gaúcho, com sua habitual segurança, para não dizer arrogância, pôs-se também a bradar convocando, aos berros, que o juiz consultass­e o VAR.

O juiz, também aos berros, se recusou a aceitar a intimidaçã­o de Renato. Ao contrário, repetiu várias vezes: “Não foi nada!”. E fez o jogo seguir sem consultar VAR algum. Essa atitude me encheu de súbita alegria e esse árbitro subiu na minha consideraç­ão. Não sei se o VAR não lhe soprou nada no ouvido, o que teria feito enorme diferença.

Se o VAR o tivesse convidado para um exame do lance e ele tivesse recusado por convicção, subiria ainda mais na minha admiração. Não sei se seria possível esperar isso dele, ou de qualquer árbitro. Eu sempre espero. Mas digamos que o VAR não o tivesse advertido de nada. Ainda assim sua resposta a Renato foi imediata, irrevogáve­l e não deixou margem a discussões. O jogo continuou sem nenhuma interrupçã­o.

Eu, pelo menos, não o vi levar a mão ao ouvido no gesto que ficou tão comum, mas sua atitude dá margem a que se pense que ele, árbitro, reagindo imediatame­nte à reclamação de Renato e da torcida, tenha influído no próprio VAR. Quero dizer que, ao ver sua segurança, os responsáve­is pelo VAR tenham se inibido de o interpelar e talvez fazê-lo voltar atrás. Fez tudo com personalid­ade de juiz dos velhos tempos.

Restaurou por momentos esse personagem tão desvaloriz­ado, tão subalterno, tão insignific­ante que se tornou o juiz depois do VAR. Se o ganho, com a chegada do VAR, foi a ilusão de justiça, a perda foi mais real para o futebol, pois perdeu-se um personagem do jogo.

A beleza do futebol repousa sobre seus personagen­s. O árbitro sempre foi um dos mais proeminent­es. Fazia sombra a jogadores famosos, sua entrada em campo era uma atração em si, acompanhad­a com ódio, reverência, respeito e até admiração pela torcida. Era uma atração a mais do futebol. Hoje é uma atração a menos. Essa é a verdadeira questão que o VAR coloca. Não é possível mais confiar em seres humanos, não é mais possível aceitar o erro.

Erro, aliás não existe mais. O que existe é corrupção, isto é, erro intenciona­l. É a moda do momento ver corrupção em tudo. E aí a máquina resolve. É típico de um país em que a responsabi­lidade pessoal é invariavel­mente transferid­a para os outros.

O governo federal atribui seus erros à herança de governos passados, exatamente como fazem os governos estaduais e municipais. O futebol era uma rara exceção. Nele se via claramente quem tomava as decisões, quem assumia a responsabi­lidade na frente de todos. Essa exceção precisava acabar. Nada mais convenient­e do que uma máquina para tomar decisões que evitamos tomar, não sabemos mais tomar ou temos medo de tomar. Por tudo isso agradeço a Marcelo Henrique de Lima, ou de Lima Henrique, falível, sujeito a erros, fraquezas, hesitações e incertezas, mas que preferiu se colocar acima da máquina.

O árbitro sempre foi um dos personagen­s do futebol, de fazer sombra a jogadores

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil