O Estado de S. Paulo

Ricos ficam com 40% de deduções da educação

Secretário da Receita admite que governo estuda fixar um teto para despesa médica

- Idiana Tomazelli Adriana Fernandes /

Mais da metade das deduções de gastos com saúde do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) é concedida a contribuin­tes que ganham acima de dez salários mínimos ao mês. Levantamen­to feito pelo ‘Estadão/Broadcast’ a partir de dados da Receita Federal mostra que os 19,7% mais ricos entre os declarante­s abateram R$ 44,4 bilhões em despesas com saúde na declaração de 2018, que considera os rendimento­s obtidos no ano anterior. O valor é 56% do total da isenção. Na educação, esse também é o grupo mais contemplad­o pelo benefício.

A lei hoje não estabelece nenhum teto para deduções de despesas médicas da base de cálculo do Imposto de Renda. Como geralmente é a população de maior renda que tem mais acesso a serviços médicos particular­es, ela é a maior contemplad­a, ao conseguir abater a totalidade dos gastos. Na prática, no entanto, o benefício tributário acaba sendo usado irregularm­ente até mesmo para procedimen­tos estéticos, como aplicação de botox.

O secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, admitiu neste mês que o governo estuda fixar um teto para as deduções médicas, mas não adiantou valores. “Hoje existe um benefício excessivo a famílias de alta renda, que usam medicina particular e não usam o SUS. O grosso da população usa o SUS e não tem nenhuma dedução. Vamos estabelece­r um teto que seja justo e não dê excesso de privilégio­s e benefícios àqueles que não precisam”, disse.

O limite para a dedução existe no caso dos gastos com educação – é possível abater até R$ 3.561,50 por dependente. Mesmo assim, a política também beneficia mais a alta renda. Segundo os dados da Receita, quem ganhou acima de R$ 9.370 mensais (equivalent­e a dez salários mínimos em 2017) descontou R$ 8,6 bilhões em despesas com educação, ou 40% do total.

O economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliens­e de Direito Público (IDP), afirma que uma mudança no IRPF deveria vir acompanhad­a de uma revisão integrada na tributação sobre a folha de

Benefício excessivo • “Hoje existe um benefício excessivo a famílias de alta renda, que usam medicina particular. O grosso da população usa o SUS e não tem nenhuma dedução.” Marcos Cintra SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL

salários e também sobre o lucro das empresas. Isso porque os mais ricos do País que estão no setor privado já deixaram de ser pessoas físicas perante o Fisco, recolhendo tributos como pessoa jurídica, em condições mais favoráveis.

Segundo os dados do IRPF 2018, o 1,1% mais rico entre os declarante­s recebeu R$ 414,7 bilhões isentos de qualquer tributação – quase metade da renda livre, que somou R$ 908,1 bilhões. Boa parcela vem do recebiment­o de lucros e dividendos, mas não exclusivam­ente. Benefícios pagos a servidores públicos, como auxílio-moradia, também ficam livres do imposto.

Afonso lembra que parcela crescente dos brasileiro­s de alta renda e até mesmo de média e baixa renda recebem hoje como autônomos, microempre­sários ou microempre­endedores. Nesses casos, os dividendos são isentos de IRPF, mas os contribuin­tes também perdem o direito às deduções legais. “O raciocínio simplista do governo e da maioria dos debatedore­s é que precisamos incluir essa renda de lucros e dividendos na tabela progressiv­a, mas esquecem que isso permitirá a esses contribuin­tes passar a fazer deduções iguais às dos contribuin­tes já incluídos”, explica.

O economista avalia ainda que tributar lucros e dividendos, embora seja uma opção, pode estimular a prática de declarar despesas sociais na conta da pessoa jurídica, dificultan­do a fiscalizaç­ão. Também haveria incentivo às empresas a reter os lucros.

Isenções. Além de limitar as deduções médicas, o presidente Jair Bolsonaro também tem pressionad­o a Receita Federal para ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda, hoje limitada a rendimento­s de até R$ 1.903,98. O desejo do presidente é aumentar o limite para R$ 5 mil mensais para honrar uma promessa de campanha. Com isso, mais pessoas ficariam livres do tributo sobre seus salários.

O maior entrave a essa ampliação da faixa de isenção do IR é a consequent­e perda de R$ 40 bilhões em arrecadaçã­o, dinheiro do qual o governo não pode abrir mão em um momento de restrição fiscal.

Além disso, há na equipe econômica uma ala que prefere não misturar o debate da mudança no Imposto de Renda com a reforma tributária que tramita no Congresso Nacional e unifica os tributos que incidem sobre o consumo, como PIS/Cofins e IPI. A avaliação desse grupo é a de que não é o momento de mexer no IR, até porque há ainda o risco de o Congresso tomar para si a dianteira também desse debate, a exemplo do que ocorreu com a reforma tributária. Já existem hoje diversos projetos de lei que buscam alterar o IR e elevar as faixas de isenção.

Numa tentativa de aceno ao desejo do presidente, mas sem compromete­r tanto as contas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem sinalizado com a correção da atual tabela do Imposto de Renda pela inflação. Seria o primeiro ajuste desde 2015.

O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Sindifisco) calcula que há hoje uma defasagem média acumulada de 95,46% na tabela do IRPF, devido a anos de reajuste zero ou abaixo da inflação.

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