O Estado de S. Paulo

‘Espero Tua (Re)Volta’ dá voz à periferia

Documentár­io superpremi­ado de Eliza Capai, e mais três autores, aborda os protestos estudantis de 2015

- Luiz Carlos Merten

Havia forte representa­ção de filmes brasileiro­s no Festival de Berlim, em fevereiro. Obras de um perfil político como a ficção sobre Marighella de Wagner Moura e o documentár­io Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar, de Marcelo Gomes. O primeiro ainda aguarda data para lançamento, o segundo está em cartaz. Veio somar-se a outro documentár­io – Espero Tua (Re)Volta, de Eliza Capai – que também estava em Berlim, na mostra Generation. Entre o festival na Alemanha e o circuito comercial brasileiro, Espero Tua (Re)Volta venceu o Cine PE. Calunga de Ouro de melhor filme.

No Recife, Eliza fez um ótimo debate sobre seu filme, que está longe de ser um documentár­io tradiciona­l. Nem poderia ser – o filme aborda os protestos estudantis de 2015. É fortemente clipado, numa estrutura (quase) ficcional. Eliza não apenas dá voz a seus jovens, como fazem os documentár­ios. Eles cantam, performam em cena, interferem nos pontos de vista uns dos outros. De cara, a música e os cortes rápidos jogam o espectador no meio da história que está sendo vivida. Os protagonis­tas são jovens da periferia.

A pergunta que não quer calar, e o repórter faz à diretora: “Você pode-se considerar autora do filme?”. Ela não vacila: “Claro!”, mas responde que, se a mesma pergunta fosse feita a Marcela Jesus, Nayara Souza e Lucas Penteado, os personagen­s principais, eles responderi­am que também são autores.

Filmando ocupações de escolas secundária­s, manifestaç­ões de rua, Elisa vai ao ponto. No limite, o que Espero Tua (Re)Volta documenta é uma disputa de narrativas. Esses jovens não querem ser manipulado­s. Estão defendendo seu ponto de vista e interferin­do no processo em busca da clareza da informação.

“A primeira vez que entrei numa ocupação ia ficar poucas horas, mas mal pisei lá dentro e minha cabeça deu um nó. Acabei dormindo na ocupação e saí de lá com a certeza que precisava fazer um filme sobre aquela geração”, lembra Eliza.

A ideia dos jovens é fazer-se ouvir, e respeitar, a da diretora é usar seu instrument­o – o cinema – para potenciali­zar essas vozes e expor as próprias crenças sobre inclusão social e democracia na escola.

Isso é tão verdadeiro que, embora o filme esteja sendo lançado em salas, a distribuid­ora Taturana Mobilizaçã­o Social também disponibil­iza Espero Tua (Re)Volta em sua plataforma. Como diz o personagem Koka: “Esse filme pode educar pessoas sobre os seus direitos, contestar algo que não te supre, manifestar sobre algo que não te representa”.

A militância apartidári­a de Espero Tua (Re)Volta põe o filme num espaço particular no próprio mercado. Mas o bacana é que todo esse embasament­o é sustentado pela excelência da obra cinematogr­áfica. O filme não venceu à toa no Recife. Em Berlim, já recebera o prêmio da Anistia Internacio­nal e o Prêmio da Paz. Foi o melhor documentár­io no Festival Internacio­nal de Cine Político, na Argentina, na Mostra de Cinema Latino-americano da Catalunha e no Sneakers Film Festival for Children and Youth, na Polônia. Recebeu também o Grand Prix no Internacio­nal Festival of Red Cross and Health Films, na Bulgária, e o Prêmio Olhar, no Festival Olhar de Cinema, em Curitiba.

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