CONFLITOS COM A MARCA TRUMP
Estratégias erráticas adotadas muitas vezes contra conselhos de assessores têm elevado a instabilidade
Donald Trump foi claro durante a campanha de 2016 ao dizer que privilegiaria o nacionalismo e mudaria a rota da diplomacia. Em dois anos e meio, o presidente americano se retirou de tratados históricos, se indispôs com aliados tradicionais como o Canadá e a Alemanha e se aproximou de regimes autoritários como Arábia Saudita e Coreia do Norte. Para entender o efeito dessas decisões, o Estado entrevistou especialistas em alguns dos principais focos de tensão mundial.
“A ordem internacional já mostrava sinais de tensão e ruptura antes de Trump assumir o cargo. No entanto, no passado, os amigos e inimigos dos EUA poderiam esperar do país a defesa dos aliados e do sistema de normas
pós-2.ª Guerra. A abordagem imprevisível e desorientada de Trump para a política externa enfraqueceu o vetor de estabilidade. Governos estrangeiros se envolvem em comportamentos provocativos, seja na proliferação nuclear, na degradação ambiental ou na violação dos direitos humanos”, afirma Michael Camilleri, ex-diplomata do governo de Barack Obama e diretor do centro de estudos Rule of Law, do instituto Diálogo Interamericano.
Estratégias erráticas e adotadas no calor da emoção pelo presidente, muitas vezes em desacordo com o conselho de assessores, são apontadas como causa para mais instabilidade. Dois exemplos atuais são a escalada de tensão no Irã e na Caxemira.
“É verdade que o papel dos EUA está diferente no governo Trump do que tem sido especialmente desde o final da Guerra Fria. É uma fase na qual os EUA estão recuando. Não acho que a influência americana esteja decaindo, mas que os EUA estão deixando de querer ter influência em muitas coisas, o que carrega uma série de riscos”, afirma Fernando Cutz, ex-conselheiro da Casa Branca nos governos Obama e Trump. Consultor no Cohen Group, ele cita como exemplo o silêncio sobre violações de direitos em Hong Kong.
“Perdemos a credibilidade no mundo inteiro em termos de sermos vistos como esse grande líder que sempre defende direitos humanos e democracia. Corremos o risco de permitir a desestabilização, de dar um passo rumo a uma direção errada”, afirma Cutz. O governo George W. Bush também viveu tensões com aliados próximos, como o estremecimento nas relações com a França diante da oposição clara dos franceses à Guerra do Iraque. Segundo Cutz, no entanto, a política de Bush não foi “nem de perto” como a de Trump.
Sob Trump, os EUA saíram do Acordo Climático de Paris, do acordo nuclear com o Irã, do antigo Nafta, do TPP (o acordo de países do pacífico), congelaram a reaproximação com Cuba desenhada por Obama, esvaziaram o funcionamento de um dos órgãos da OMC e passaram se mostrar insatisfeitos com a ONU e com a Otan. No caso da Coreia do Norte, a aproximação com Kim Jong-un e a insistência do americano em propagandear o feito como um ato pela paz mundial geram preocupação sobre o quanto Washington baixará a guarda diante de testes de mísseis norte-coreanos.
Perspectiva.
Com Trump ou sem Trump na Casa Branca a partir de 2020, a reorientação da política externa americana pode já ter deixado espaço para efeitos indesejados. “Fazemos acordos de paz com Irã e Cuba, aí chega um novo time e os destrói. Fazemos acordos com aliados e depois tomamos outra direção. Os governos gostam de estabilidade, há consequências para além do tempo que Trump for o presidente”, afirma Cutz. “Os eventos mundiais provavelmente ficarão mais turbulentos no curto prazo. E, mesmo que uma derrota de Trump na eleição do próximo ano restaure um papel mais previsível dos EUA no mundo, há tendências maiores de instabilidade na governança global que durarão além de seu mandato”, afirma Camilleri.
Uma das características da nova política americana, destaca Peter Hakim, presidente do Diálogo Interamericano, é tomar um lado, em vez de tentar trazer os dois lados à mesa para negociar. Foi assim, por exemplo, quando Trump anunciou que transferiria a embaixada em Israel para Jerusalém.
A maior tensão existente hoje, afirma Hakim, é a rivalidade entre EUA e China. “Os EUA estão voltando as costas ao multilateralismo e a China está ascendendo muito rapidamente, com importante papel econômico e militar, crescente papel político, em ciência e em tecnologia. É um competidor que os EUA não possuem desde que a União Soviética colapsou”, afirma Hakim.