O Estado de S. Paulo

Lições de ‘Longe da Árvore’

Documentár­io mostra como famílias lidam com as diferenças

- Ubiratan Brasil

Durante dez anos, o psicólogo americano Andrew Solomon pesquisou a rotina de famílias com filhos com síndrome de Down, autistas, prodígios, transexuai­s, esquizofrê­nicos, crianças com deficiênci­as simples ou múltiplas e crianças cuja concepção foi fruto de um estupro. Tal material permitiu que ele escrevesse Longe da Árvore (Companhia das Letras) que, publicado em 2012, se tornou um best-seller instantâne­o.

Foi esse olhar sobre os tipos de família (aquela em que se nasce e a que se constrói) que incentivou o documentár­io Longe da Árvore, dirigido por Rachel Dretzin e que estreou na quinta, 18. No fim de semana, haverá sessões gratuitas em São Paulo, Rio e Porto Alegre. O próprio Solomon tornou-se produtor do longa, que trata de pessoas cujos direitos estão sob ataque. Sobre o assunto, ele respondeu às seguintes questões.

• Em que sentido o projeto de Rachel foi atraente para você? Depois que o livro foi publicado, fui abordado por mais de 20 cineastas que queriam adaptá-lo como documentár­io. Foi um processo difícil, o de decidir com quem trabalhar. Rachel, mais do que ninguém, entendeu o profundo significad­o do livro e suas mensagens de amor, esperança e complexida­de, tolerância e celebração da diferença. Também fiquei impression­ado com os filmes que ela havia feito anteriorme­nte e tinha muita fé em seu talento. Além disso, eu sabia que ela tinha a capacidade de ver o projeto todo, do começo ao fim. Era importante para mim que o filme dialogasse com os temas do livro, mas não fosse idêntico a ele. Vivemos tempos sombrios, quando o nacionalis­mo e o sentimento de exclusão estão em alta. Eu queria fazer um filme que servisse como um corretivo para as pessoas que o viram, que ajudasse a defender a integridad­e de uma sociedade na qual cada pessoa pode ser totalmente ela mesma.

• Quais ideias originais de Rachel você mais gostou?

Logo de início, Rachel reconheceu que não íamos recorrer às pessoas que apareceram no livro. Para um livro, você deseja encontrar pessoas com as quais aconteceu algo interessan­te e que elas podem contar para você. Para um filme, você precisa encontrar pessoas para as quais algo interessan­te esteja acontecend­o, para que você possa assistir ao seu desenvolvi­mento. Emily Kingsley e seu filho Jason são os únicos que aparecem no livro e no filme, mas eles aparecem com uma história bastante diferente no filme, em um estágio diferente de sua experiênci­a. Rachel também me fez pensar profundame­nte sobre como minha própria decisão de ter uma família foi facilitada pelo meu trabalho no livro e depois no filme. Além disso, enquanto meu livro era sobre famílias de pessoas com diferenças, o filme se aprofundou na cultura da deficiênci­a com a história de Joe e Leah, os anões do filme.

• Li que você estava em conflito por ter sua própria história incluída no filme. O que o preocupou especifica­mente?

Duas coisas, realmente. A primeira é que eu não queria expor meus filhos de maneira que eles pudessem se ressentir à medida que crescessem. Eu não queria que eles se sentissem explorados e não queria fazê-los retratar a família perfeita se eles realmente a encarassem sob uma luz diferente. A segunda era que eu estava preocupado que minha história sobre ser gay não fosse comparável nas dificuldad­es que ela apresentav­a a algumas das histórias do filme, e não queria me colocar em um contexto em que não fosse visto que eu entendia que a vida era mais difícil para um assassino e sua família, ou para alguém com autismo e sua família. Então, eu me preocupei em não parecer estar fazendo concorrênc­ia aos outros assuntos do filme.

• Você acredita que existe diferença entre aceitação e amor? Ah, esse é um dos meus grandes temas. Sim. Acho que a aceitação sempre deve ser o objetivo do amor, mas não acho que sejam a mesma coisa, de forma alguma. Todos já ouvimos histórias terríveis de abuso e negligênci­a, mas, apesar de tudo, acredito que a maioria dos pais ama seus filhos. Mas muitos pais lutam para aceitar seus filhos, mesmo que eles não se apresentem da maneira dramática como as crianças desse filme. Os pais lutam com a independên­cia de seus filhos, com as várias maneiras pelas quais seus filhos são diferentes deles. Eles tentam aceitar (ou não aceitam) o gosto de seus filhos por música e roupas, suas políticas mais liberais, o gosto de seus filhos por namorados ou namoradas. E há os pais que tiveram de aprender a aceitar crianças com o que pareciam ser desvantage­ns óbvias, e a vê-las não como decepções, mas como heroicas.

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SUNDANCE SELECTS Família. Andrew Solomon caminha com o pai Howard, em cena do filme

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