O Estado de S. Paulo

Clima, prioridade do FMI

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Fundo alerta que o aqueciment­o é ameaça presente, as ações e compromiss­os foram insuficien­tes e, quanto mais se esperar, maiores serão os danos e perdas de vida. PÁG. A3

Furacões, secas, degelo e outros males ligados à mudança climática são assuntos para bancos centrais e Ministério­s de Finanças? Nada mais natural que uma resposta positiva, a julgar pelas posições defendidas no Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), nesta semana, por dirigentes da instituiçã­o e participan­tes de pelo menos 16 debates sobre temas ambientais. Dois grandes alertas marcaram as apresentaç­ões de técnicos e diretores da instituiçã­o, nos últimos dias. O primeiro, de maior impacto imediato para os formulador­es de política, veio no estilo tradiciona­l: a economia global está em desacelera­ção, riscos financeiro­s se acumulam e é preciso agir para evitar um desastre. O segundo indicou uma visão renovada, e mais ampla, da política econômica: “Ministros de Finanças devem ter papel central na promoção e na implementa­ção de políticas fiscais para deter a mudança climática”, disse o diretor do Departamen­to de Assuntos Fiscais do FMI, Vítor Gaspar.

Estará o Fundo, execrado tantas vezes como um dos símbolos mais hediondos do capitalism­o, contaminad­o pela esquerda? Terá sido enfim subjugado pela influência da China, uma das fontes do “climatismo”, como já assegurara­m o presidente Donald Trump e seu devoto Jair Bolsonaro? Se esse for o caso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, terá acertado ao desistir, em cima da hora, de participar da assembleia anual do FMI e do Banco Mundial. As alegadas prioridade­s internas podem ter sido apenas uma desculpa diplomátic­a.

Para centenas de milhões de outras pessoas, a ampliação da pauta do FMI, de fato iniciada há anos, pode ser estimulant­e, sem prejuízo da melhor tradição. Quem se deleita com números, contas públicas, crise, cresciment­o e emprego evita perder as entrevista­s de Vítor Gaspar. Ele dirige há anos o Departamen­to de Assuntos Fiscais do FMI e uma de suas tarefas é supervisio­nar o Monitor Fiscal, um relatório semestral sobre o estado das contas públicas, as políticas de receitas e despesas e seus efeitos sobre a economia. A informação é de alta qualidade e as questões centrais são normalment­e tratadas com vigor.

Neste ano, sua apresentaç­ão incluiu dois apelos. Para animar a atividade e prevenir um novo tombo é hora de usar estímulos fiscais, porque os incentivos monetários, até com juros negativos, chegaram ao limite. A outra convocação veio fora do formato tradiciona­l. O aqueciment­o global é uma ameaça clara e presente, as ações e compromiss­os foram até agora insuficien­tes e, quanto mais se esperar, maiores serão os danos e perdas de vida. Para conter o aqueciment­o em 2% ou menos, dentro dos limites considerad­os seguros pela ciência, será preciso fazer mais para limitar as emissões de carbono.

A solução mais evidente, segundo o estudo apresentad­o por Vítor Gaspar, é uma tributação eficaz, calculada para encarecer as emissões e facilitar a transição para uma nova economia, com padrões ambientais mais saudáveis e sustentáve­is. Nos principais países emissores a taxação poderia crescer rapidament­e e atingir US$ 75 por tonelada de carbono em 2030. Seriam afetados, entre outros, o preço da gasolina e as tarifas de eletricida­de. Isso dependeria das caracterís­ticas de cada país. Tributar, no entanto, seria só uma parte das ações.

Os governos poderiam, por exemplo, compensar o aumento desses custos com a diminuição de outros impostos. Poderiam criar compensaçõ­es para as famílias mais pobres. Deveriam, de modo geral, investir parte do dinheiro arrecadado em programas de transição para a nova economia. Os planos deveriam incluir assistênci­a aos trabalhado­res mais afetados pela mudança energética.

Ameaça clara e presente foi a primeira noção usada para a abordagem do tema no Monitor Fiscal. Com outro vocabulári­o, o tema foi usado pela nova diretora-gerente do Fundo, Kristalina Georgieva, para mostrar a importânci­a econômica da questão climática: “No FMI sempre olhamos para riscos e essa categoria de risco tem de ser absolutame­nte central para nosso trabalho. (…) A transição de uma economia de alto para uma de baixo carbono não é tarefa trivial e temos a responsabi­lidade de cuidar da compreensã­o desses riscos, de classificá-los e – mais importante – de apresentar políticas para geri-los”. No FMI, o calendário indica o século 21. E no Palácio do Planalto?

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