O Estado de S. Paulo

Uma fusão improvável

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Ogoverno do presidente Jair Bolsonaro voltou a deixar a comunidade científica e os meios acadêmicos perplexos. Desta vez, o motivo foi o anúncio de que o Ministério da Economia está estudando, como estratégia para reduzir custos, a fusão da Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior (Capes) com o Conselho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o (CNPq). Os dois órgãos foram criados em 1951 com funções distintas, mas complement­ares. Além disso, o Ministério da Economia quer desvincula­r o pagamento das bolsas do CNPq do Fundo Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o e transferir os recursos para o BNDES. Atualmente esses recursos são geridos pela Financiado­ra de Inovação e Pesquisa (Finep).

Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), desde sua origem a Capes tem a atribuição de aprimorar a formação dos professore­s universitá­rios, estimuland­o a expansão da pós-graduação e avaliando a qualidade dos cursos oferecidos. Além de conceder bolsas para doutorado no País e no exterior e de financiar seminários e simpósios acadêmicos, ela ajuda na qualificaç­ão do ensino básico e baliza a expansão do ensino a distância no País. Periodicam­ente, a Capes divulga um ranking de qualidade das universida­des brasileira­s.

Já o CNPq tem por atribuição estimular o desenvolvi­mento científico e tecnológic­o, financiand­o não apenas as universida­des, mas, igualmente, institutos de pesquisa. Vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es (MCTIC), a agência também patrocina eventos, concede bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado e financia projetos complexos e sofisticad­os.

Um deles é o projeto Sirius, que exigiu a construção de um laboratóri­o de luz síncrotron de 4.ª geração, que tem um equipament­o do tamanho de um estádio de futebol e é o mais caro e sofisticad­o da ciência brasileira. Quando estiver concluído, em 2020, os pesquisado­res poderão analisar diferentes materiais em escalas de átomos e moléculas, o que pode revolucion­ar a pesquisa brasileira e mundial em áreas essenciais, como saúde, agricultur­a e exploração de gás e de petróleo. Atualmente, existe somente um laboratóri­o de 4.ª geração de luz síncrotron em todo o mundo, instalado na Suécia. Com toda a obra civil já concluída e aguardando testes no principal acelerador de partículas, o laboratóri­o do projeto Sirius está instalado em Campinas, é a maior estrutura científica do País e prevê, a partir do momento em que estiver funcionand­o, pelo menos 13 linhas de pesquisas.

Como a proposta do Ministério da Economia foi feita com base em critérios exclusivam­ente financeiro­s, e por técnicos que não conhecem os campos de atuação da Capes e do CNPq, as entidades da área estão criticando duramente o ministro Paulo Guedes. “A fusão traria confusão para um sistema que trabalha de forma harmônica desde a década de 1950”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Castro Moreira. Em nota, 13 instituiçõ­es acadêmicas e de pesquisa – como a Academia Brasileira de Ciências, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituiçõ­es Federais de Ensino Superior e a própria SBPC – afirmaram que a proposta do Ministério da Economia é “equivocada em todos os sentidos”. Entre outros motivos, porque não apenas desfigura um sistema consolidad­o que funciona bem, como desestrutu­ra os mecanismos de financiame­nto do setor. O MCTIC se opôs à fusão da Capes com o CNPq, alegando que ela é “prejudicia­l ao País”. Mas o ministro da Educação, Abraham Weintraub, a defende, sugerindo que Bolsonaro a implemente o mais rapidament­e possível, por meio de Medida Provisória.

Que a crise fiscal do País é grave, isso não é novidade. Contudo, nada justifica que, para enfrentá-la, o governo aja com base em critérios exclusivam­ente econômicos, desorganiz­ando áreas essenciais do Estado brasileiro.

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