O Estado de S. Paulo

O Supremo e o falso dilema

- Raquel Lima Scalcon ✽ É DOUTORA EM DIREITO PENAL E PROFESSORA DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV-SP)

OSTF iniciou um dos principais julgamento­s do ano. Dada a relevância da discussão, há argumentos para muitos lados. Para alguns, o réu, após a condenação em 2ª instância, já deve iniciar o cumpriment­o da pena, pois: há excesso de recursos, gerando impunidade; os tribunais superiores não podem examinar fatos nos recursos de sua competênci­a e, logo, a chance de reversão de uma decisão é reduzida. Para outros, tal interpreta­ção viola a presunção de inocência, pois a Constituiç­ão, no art. 5º, inc. LVII, diz: “ninguém será considerad­o culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatór­ia”. Para eles, os argumentos acima listados até podem ser corretos. Isso, contudo, importa pouco. O importante é a Constituiç­ão. E se ela escolheu que um réu só deve cumprir pena quando esgotados os recursos, está escolhido. Gostemos ou não.

O problema parece residir na expressão “ninguém será considerad­o culpado”. Não considerar um réu culpado é, pois, tratá-lo como inocente até o último recurso. Quando se prende um réu que ainda pode recorrer, que tipo de tratamento estamos dando a ele? Inocente ou culpado? A resposta – simples – ganhou contornos polêmicos, a demonstrar que o debate se deslocou de lugar. Parece que o STF enfrenta um dilema: seguir critérios constituci­onais ou decidir conforme às “consequênc­ias” (impunidade, tardança etc.)?

O dilema, no entanto, é falso: o STF serve à Constituiç­ão. O caminho, portanto, é único. Por mais custoso que seja, respeitála não é escolha, mas imperativo. As palavras da Constituiç­ão, neste caso, de tão claras, aprisionam o intérprete, mas soltam o réu. Para prendê-lo, será preciso esperar o trânsito em julgado.

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