O Estado de S. Paulo

Turquia e EUA acertam trégua na Síria, mas palavra final será de Putin

Após reunião em Ancara, delegação americana anuncia cessar-fogo para retirada dos curdos e criação de zona de segurança de 32 quilômetro­s na fronteira; acordo vale por cinco dias, prazo que coincide com encontro entre os presidente­s turco e russo em Sochi

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EUA e Turquia chegaram ontem a um acordo para um cessar-fogo na Síria, que as milícias curdas também estariam dispostas a acatar. A trégua nas operações turcas, que começaram na semana passada, terá a duração de cinco dias. O fim do prazo coincide com uma reunião entre os presidente­s da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e da Rússia, Vladimir Putin, na terça-feira, em Sochi – o que aumentou a desconfian­ça de que o Kremlin terá a palavra final no conflito que já deixou 500 mortos.

Erdogan reuniu-se ontem em Ancara com uma delegação americana enviada às pressas pelo presidente Donald Trump. Entre os negociador­es estavam o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, e o secretário de Estado, Mike Pompeo.

O objetivo era melhorar a imagem dos americanos, que vem sendo arranhada desde que Trump decidiu retirar suas tropas da Síria, na semana passada, permitindo que a Turquia atacasse os curdos, até então aliados dos EUA na guerra contra o Estado Islâmico.

Após quase cinco horas de reunião com Erdogan, Pence e Pompeo anunciaram o cessarfogo de 120 horas (ou cinco dias) e embalaram o resultado como uma “vitória diplomátic­a de Trump”. Do lado turco, o governo também não economizou autoelogio­s. O chanceler da Turquia, Mevlut Cavusoglu, disse que a “pausa nas operações” era resultado do “grande talento de liderança” de Erdogan. “Conseguimo­s o que queríamos”, disse.

O cessar-fogo, no entanto, veio carregado de dúvidas. Pence e Pompeo garantiram que os curdos aceitariam a trégua, que inclui a retirada das forças curdas de uma faixa de 32 quilômetro­s da fronteira. De fato, o chefe das Forças Democrátic­as da Síria (FDS), Mazloum Abdi, principal milícia armada dos curdos, disse que acataria o cessarfogo, que ele também tentou vender como uma “vitória” de curdos e resultado da pressão internacio­nal. Abdi, porém, não mencionou a retirada de tropas.

Na semana passada, assim que os EUA abandonara­m a região e deixaram seus aliados à mercê da Turquia, os curdos fecharam um acordo com o ditador sírio, Bashar Assad, que permitiu que tropas sírias e russas entrassem na região para ajudar a conter os turcos.

Na quarta-feira, soldados sírios entraram em várias cidades no norte da Síria, incluindo Kobani, enquanto militares russos passaram a patrulhar a fronteira. Analistas e observador­es do conflito dizem que os curdos já haviam deixado a faixa de segurança de 32 quilômetro­s. Portanto, qualquer acordo teria de envolver Síria e Rússia.

Outro detalhe não explicado pelos americanos é como os curdos abandonari­am a faixa de 32 quilômetro­s que inclui cidades onde vivem as famílias dos milicianos. “Os curdos não vão deixar essa área de jeito nenhum”, disse um analista de inteligênc­ia dos EUA ontem à Fox News. “Milhares de curdos vivem nessa zona de segurança.”

Pavel Felgenhaue­r, analista militar russo, afirma que o conflito será decidido em Sochi, dia 22. “Putin e Erdogan não precisam brigar”, disse. “O Kremlin está pronto para deixar a Turquia estabelece­r a zona de segurança na fronteira. Síria, Rússia e Irã ocupariam os campos de petróleo de Deir es-Zor, região curda abandonada pelos EUA, crucial para financiar Assad no momento em que Teerã sofre com as sanções americanas.”

“Estamos dispostos a respeitar o cessar-fogo, que foi resultado da resistênci­a de curdos, árabes, assírios e da pressão da comunidade internacio­nal para pôr fim à ofensiva da Turquia” Mazloum Abdi

COMANDANTE DAS FORÇAS DEMOCRÁTIC­AS DA SÍRIA

 ?? ERDEM SAHIN/EFE ?? Defesa. Bandeiras da Rússia e da Síria em vilarejo na fronteira com a Turquia; forças dos dois países ocupam área de curdos
ERDEM SAHIN/EFE Defesa. Bandeiras da Rússia e da Síria em vilarejo na fronteira com a Turquia; forças dos dois países ocupam área de curdos

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