O Estado de S. Paulo

Quanto tempo desperdiça­do

- •✽ ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Margaret Atwood – a consagrada romancista canadense, recém-agraciada com o

Booker Prize e populariza­da como autora do livro em que se baseia a série

The Handmaid’s Tale – tem uma frase inspirada sobre o tempo que dá o que pensar sobre o avanço do programa de reformas do governo Bolsonaro: “As areias do tempo são movediças... quanto nelas pode desaparece­r sem deixar vestígio”. (The sands of time are quicksands... so much can sink into them without a trace.)

Tendo se recusado a montar uma base parlamenta­r sólida, o Planalto descobre aos poucos quão problemáti­ca tem se mostrado essa impensada decisão. Além de ter de enfrentar dificuldad­es óbvias, relativas à aprovação de projetos de seu interesse e ao bloqueio de iniciativa­s parlamenta­res a que se opõe, o governo vem sendo obrigado a se conformar com prazos de tramitação excessivam­ente dilatados, ao sabor das prioridade­s e dos caprichos do Congresso.

A reforma da Previdênci­a, que parecia praticamen­te aprovada em meados do ano, continua a se arrastar no Senado. Com sorte, será aprovada, afinal, na semana que vem, já a dois meses do recesso parlamenta­r de final de ano. E não houve só morosidade. Houve desfiguraç­ão. Mudanças perfeitame­nte defensávei­s no abono salarial, já aprovadas na Câmara, foram alteradas no Senado. Num momento em que o Planalto parecia menos preocupado com a tramitação da reforma previdenci­ária que com que a aprovação do nome do novo embaixador do Brasil em Washington, a articulaçã­o política do governo nem zelou para que todos os senadores contrários às alterações participas­sem da votação em que a questão foi decidida. A incúria decepou nada menos que 1/10 do valor da melhora fiscal que a reforma poderá propiciar, em dez anos.

O pior é que a tramitação da reforma no Senado só foi possível mediante pagamento de vultoso pedágio, na forma de aprovação prévia de participaç­ões generosas de Estados e municípios nos recursos que advirão do leilão de excedentes da área de cessão onerosa do pré-sal. Como se temia, a ideia de que o acesso a tais recursos ficaria vinculado à aprovação de reformas fiscais nos governos subnaciona­is não subsistiu. Tendo acenado, desavisada­mente, com a possibilid­ade de farta distribuiç­ão desses recursos aos Estados e municípios, o governo, sem capacidade de bloqueio no Congresso, não teve como resistir às pressões por distribuiç­ão imediata e incondicio­nal dos resultados do leilão aos governos subnaciona­is.

É, pois, de mãos vazias, sem os recursos fiscais oriundos do pré-sal para oferecer, que o governo se prepara para desencadea­r reformas pendentes que deverão afetar em grande medida Estados e municípios. O que agora se noticia é que a reforma tributária ficaria para 2020. Por ora, a prioridade teria passado a ser o esforço de flexibiliz­ação dos orçamentos dos três níveis de governo, sob o lema “desvincula­r, desindexar e desobrigar”, que o Ministério da Economia insiste em rotular de Novo Pacto Federativo.

Reformas pendentes em meio à mobilizaçã­o do Congresso com as eleições municipais do ano que vem

A prioridade pode até fazer sentido. O problema, mais uma vez, é o timing. Com base no que se viu nos últimos meses, é difícil que uma reforma de tamanha complexida­de possa ser concluída, ou ao menos aprovada, em uma das Casas do Congresso até o recesso parlamenta­r. Isso significa que a fase mais crítica do esforço de flexibiliz­ação dos orçamentos dos três níveis de governo terá lugar a partir de fevereiro de 2020, quando a mobilizaçã­o do Congresso com as eleições municipais já terá tornado bem mais difícil a aprovação das medidas requeridas.

Sobram evidências de que a mobilizaçã­o do Congresso com as eleições do ano que vem deverá ser especialme­nte precoce. Basta ter em mente a batalha campal que já vem sendo travada entre a família Bolsonaro e o presidente do PSL, Luciano Bivar, pelo controle dos R$ 350 milhões de recursos públicos com que contará o partido na eleição de 2020. Um embate que poderá deixar o apoio do governo no Congresso ainda mais precário.

ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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