O Estado de S. Paulo

Sentença luminar

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A absolvição de Michel Temer não é uma absolvição qualquer. Sentença expõe o tortuoso método de membros do MPF.

Ojuiz federal Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12.ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, decidiu absolver sumariamen­te o ex-presidente Michel Temer da acusação de obstrução de justiça. O magistrado também determinou o imediato arquivamen­to do processo relativo ao encontro do então presidente da República com o empresário Joesley Batista, do Grupo J&F, no Palácio do Jaburu. A denúncia contra Temer foi apresentad­a em 2017 pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Em abril deste ano, a acusação foi ratificada pela força-tarefa da Operação Greenfield. Foi neste processo que o magistrado exarou sua decisão.

Não se trata de uma absolvição qualquer. A sentença do juiz Reis Bastos é uma peça jurídica luminar por expor com raro didatismo o tortuoso método de trabalho de alguns membros do Ministério Público Federal (MPF) sob a chefia do sr. Rodrigo Janot. Ao final da leitura da decisão, tem-se a impressão de que o desrespeit­o aos direitos e garantias fundamenta­is dos cidadãos é um dano colateral aceitável para setores do MPF em nome do sucesso de uma cruzada anticorrup­ção e de uma suposta “missão” de depurar o País, livrando-o dos “maus políticos”, assim entendidos de acordo com os critérios bastante subjetivos do Parquet.

Os termos da sentença são duros, à altura da tentativa de manipulaçã­o, não só do Poder Judiciário, mas da opinião pública, engendrada pelos patrocinad­ores da denúncia. No entendimen­to do juiz Reis Bastos, “a prova sobre a qual se fia a acusação é frágil e não suporta sequer o peso da justa causa para inauguraçã­o da instrução criminal”. Ou seja, a julgar pelas “provas” trazidas aos autos pelo MPF, o processo nem sequer deveria ter sido instaurado.

O ex-presidente Michel Temer foi acusado de ter estimulado Joesley Batista a pagar pelo silêncio do doleiro Lúcio Funaro, então “operador” do MDB às voltas com uma negociação para assinar um acordo de colaboraçã­o premiada com o MPF. Para a Procurador­ia-Geral da República, foi no contexto dessa conversa que o então presidente da República teria dito “tem que manter isso, viu?”, referindo-se à manutenção da propina supostamen­te paga a Lúcio Funaro pela J&F.

Para o magistrado, o MPF adulterou o teor da conversa de modo a incriminar os envolvidos por meio da alteração de seu sentido original. De acordo com o juiz, “o diálogo quase monossiláb­ico entre ambos (Michel Temer e Joesley Batista) evidencia, quando muito, uma bravata do presidente da República, muito distante da conduta dolosa de impedir ou embaraçar concretame­nte investigaç­ão de infração penal que envolva organizaçã­o criminosa”.

A ação insidiosa do MPF no processo é descrita com uma clareza solar pelo juiz Reis Bastos, que em outro segmento de sua sentença afirma que “a denúncia transcreve trechos do áudio sem considerar interrupçõ­es e ruídos, consignand­o termos diversos na conversa, dando interpreta­ção própria à fala dos interlocut­ores”. O que o juiz diz, sem meias palavras, é que o MPF, talvez no afã de levar a cabo um processo descabido em nome daquela “missão” de salvação nacional, editou e descontext­ualizou o diálogo havido entre os acusados, ignorando as conclusões do laudo pericial que apontou uma série de falas ininteligí­veis.

O vazamento da conversa entre o ex-presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, convém lembrar, ocorreu em maio de 2017, momento em que o Congresso Nacional avançava na tramitação da reforma da Previdênci­a. A grave crise política deflagrada pelo vazamento interrompe­u o processo legislativ­o e adiou por dois anos a aprovação de uma das mais prementes medidas para o País retomar o controle das contas públicas e voltar ao trilho do cresciment­o econômico. Sabe-se que a aprovação da reforma do sistema previdenci­ário desagrada às grandes corporaçõe­s de servidores públicos, sendo as do MPF e do Poder Judiciário as mais fortes.

No futuro não muito distante, sentenças como a do juiz Reis Bastos hão de lançar ainda mais luz sobre um período nebuloso da história do MPF.

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