O Estado de S. Paulo

Gustavo Badaró

Desembarga­dores têm entendimen­to diferente do Supremo, que já havia anulado sentença da Lava Jato em que réu delatado deu alegação final junto com delator

- BRASÍLIA PORTO ALEGRE / RICARDO BRANDT, BRENO PIRES E RAFAEL MORAES MOURA

Hoje Lula é considerad­o inelegível por força de duas condenaçõe­s em órgãos colegiados federais.

Após o Supremo Tribunal Federal (STF) anular duas condenaçõe­s da Lava Jato porque réus delatados e delatores tiveram o mesmo tempo para apresentar suas alegações finais no decorrer do processo, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) decidiu ontem de forma diferente e condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 17 anos e um mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio de Atibaia. A defesa do petista classifico­u a postura dos desembarga­dores como uma “afronta” ao Supremo e declarou que pretende recorrer. Alguns ministros do STF avaliaram que o TRF-4 desrespeit­ou decisão superior.

Lula já tinha uma condenação em segunda instância na Lava Jato. Em janeiro de 2018, o TRF-4 sentenciou o ex-presidente a 12 anos de prisão no processo do triplex do Guarujá (SP), o que o levou à prisão em 7 de abril do ano passado. A pena foi, depois, reduzida para 9 anos no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Como o Supremo decidiu, no início do mês, que o cumpriment­o de uma sentença só deve começar quando todos os recursos forem esgotados, Lula não vai à prisão imediatame­nte. Por já ter uma condenação em segundo grau, ele é considerad­o ficha suja e não pode concorrer a eleições.

A questão sobre o momento em que delatores e delatados devem apresentar suas alegações finais foi debatida pelos desembarga­dores logo no início da sessão. O relator da apelação criminal, João Pedro Gebran Neto, negou o pedido feito pela defesa do ex-presidente, para que a ação voltasse para à primeira instância. Se o TRF-4 concordass­e com a tese, as provas e os depoimento­s continuari­am tendo validade, mas Lula e os outros 11 réus deste processo teriam um novo prazo para apresentar suas alegações finais e o juiz da primeira instância prepararia uma nova sentença.

Foi o que ocorreu com casos que envolviam o ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobrás Aldemir Bendine e o ex-gerente da Petrobrás Márcio de Almeida Ferreira. No início de outubro, por 7 votos a 4, o Supremo decidiu que, para garantir o amplo direito de defesa, o réu delatado deveria saber o que disse o delator. O entendimen­to não tinha aplicação obrigatóri­a, já que os ministros não definiram quais condições magistrado­s devem seguir ao se depararem com casos desse tipo. O tema deve voltar à pauta em 2020.

Relator. Ao apresentar um voto com entendimen­to diferente daquele adotado pelo Supremo, Gebran afirmou que a ordem da apresentaç­ão das alegações finais não causou nenhum prejuízo para o petista. “As alegações finais constituem peças defensivas e devem ser apresentad­as em iguais condições pelos réus.” Para Gebran, decisão do Supremo não é uma norma processual retroativa. Segundo a votar, Leandro Paulsen, concordou que faltavam provas de que a ordem das alegações finais prejudicou o petista. Segundo ele, o simples pedido da defesa para falar depois do delator não é suficiente para anular uma condenação.

Na sequência, os desembarga­dores passaram a analisar o mérito da condenação contra Lula e resolveram, por unanimidad­e, aumentar a pena em cinco anos. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o sítio de Atibaia, registrado em nome de Fernando Bittar, amigo da família de Lula, passou por três reformas que somam R$ 1,2 milhão, pagas pelo pecuarista José Carlos Bumlai e as empreiteir­as Odebrecht, e OAS. Ainda de acordo com a acusação, as construtor­as foram beneficiad­as pelo governo Lula com negócios na Petrobrás. O ex-presidente nega todas as acusações.

“Pouco importa se a propriedad­e formal ou material do sítio é d e Lula. Fato é que Lula usava o imóvel com ‘animus rem sibi habendi’ (que significa uma intenção de ter a coisa como sua)”, afirmou Gebran Neto. “A responsabi­lidade do ex-presidente Lula é bastante elevada. Ocupava o grau de máximo dirigente da nação brasileira”.

STF. A decisão foi recebida com ressalvas por ministros do Supremo Tribunal Federal. Dois ministros consultado­s em caráter reservado pelo Estado afirmaram que houve descumprim­ento à decisão do Corte que definiu ser preciso dar prazos distintos para réus delatados e réus delatores apresentar­em suas defesas. Para outros ministros, porém, como o STF ainda não fixou em qual tipo de caso essa regra vale, não é possível afirmar que o TRF-4 ignorou uma decisão do Supremo.

“Cada juiz e cada tribunal decide como bem entendem. Depois existe a cadeia recursal que pode eventualme­nte rever”, disse o ministro Ricardo Lewandowsk­i. Um ministro da ala considerad­a mais “punitivist­a” do Supremo lembrou que, no julgamento do Supremo interrompi­do no início de outubro, uma tese proposta pelo ministro Dias Toffoli, ainda não votada, admitiria a posição do TRF-4.

O advogado Cristiano Zanin Martins considerou a decisão do TRF-4 uma afronta ao Supremo. “É mais um exemplo de um processo injusto ao qual o expresiden­te Lula está submetido desde 2016. É uma decisão que claramente afronta posições da Suprema Corte”, afirmou. Ele disse que irá aguardar a publicação do acórdão para recorrer.

“A responsabi­lidade do ex-presidente Lula é bastante elevada. Ocupava o grau de máximo dirigente da nação brasileira. Havia a expectativ­a que coibisse ilicitudes”

João Pedro Gebran Neto

DESEMBARGA­DOR DO TRF-4

 ?? SYLVIO SIRANGELO/TRF4 ?? Sessão. Advogado Cristiano Zanin classifico­u decisão do TRF-4 como uma ‘afronta’ ao Supremo; ministros reclamaram
SYLVIO SIRANGELO/TRF4 Sessão. Advogado Cristiano Zanin classifico­u decisão do TRF-4 como uma ‘afronta’ ao Supremo; ministros reclamaram

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