O Estado de S. Paulo

William Waack

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Fatores estruturai­s explicam a subida do dólar, mas também o raciocínio político do presidente sobre as reformas.

Investidor­es tentam agir de cabeça fria. Portanto, é pouco útil associar a subida do dólar ao nervosismo de operadores de mercado diante de frases inapropria­das, confusas, indignante­s, desconexas e que apenas geram barulho, bem ao gosto das frenéticas redes sociais, uma marca já estabeleci­da por integrante­s do atual governo em seu repetitivo empenho em criar dificuldad­es políticas para si mesmo. Na superfície, os recentes recordes nominais do dólar contra o real são um “paradoxo”. Afinal, nos atuais 121 a pontuação do risco Brasil é a mais baixa desde 2012, quando começou a subir e beirou os 500 no auge da recessão e derrubada do PT em 2016. Da saída de Dilma em diante, o risco caiu, oscilou para cima na incerteza pré-eleitoral e, desde a vitória de Bolsonaro, só desceu – enquanto o dólar, nesse período de 12 meses, só subiu.

As raposas de mercado adiantam uma explicação para esse “paradoxo”. Olhando friamente a trajetória da dívida bruta brasileira, os investidor­es concluem que ela encostou nos 80% do PIB e que, mesmo com a relevante reforma da Previdênci­a, ali continuará pelos próximos dez anos pelo menos.

E conferem nos números do Banco Central que o desempenho das contas públicas entre 2018 e 2019 não está brilhante como se poderia pensar, para não falar da deterioraç­ão da balança comercial e das contas externas.

Há outro fator também levado em conta, este mais subjetivo: o índice de incerteza compilado pela FGV. Alguns podem alegar que se trata de uma falsa correlação, mas comparando-se os últimos 18 anos desse indicador de incertezas ao desempenho anual do PIB, salta aos olhos que, quanto maior a incerteza, pior é o desempenho da economia. A incerteza atual “calculada” pela FGV está nos mesmos patamares de 2015 – a mais alta dos últimos 10 anos – e o PIB ainda cresce pouco.

Nesse raciocínio, é a combinação da permanente crise fiscal com o nosso péssimo ambiente de negócios (o Brasil ocupa a posição de número 124 no ranking mundial) – no qual tem enorme destaque a inseguranç­a jurídica – que esclarece a parte mais relevante da subida do dólar, mesmo sendo o Brasil um credor externo líquido. É neste ponto que entra o fator “os nervos do Jair”, já assinalado em editorial do Financial Times, publicação fora da suspeita de ser esquerdist­a/comunista.

O ministro Paulo Guedes confirmou que o presidente preferiu deixar para o ano que vem as reformas que constituem o eixo estratégic­o das ações com as quais se pretende alterar a estrutura e até a natureza do inflado e perdulário Estado brasileiro, tido como pior entrave à economia do País. A razão declarada é o temor – sim, temor, a partir de raciocínio político – que protestos como ocorridos no Chile, Equador, Colômbia e Bolívia se repitam por aqui, ainda mais com Lula solto. A ênfase em obter o “excludente de ilicitude” (na verdade, uma licença para matar) para combater eventuais distúrbios generaliza­dos, que se seguiriam ao ambicioso programa de reformas, traduz medo de um adversário que, para o governo, surge como muito mais poderoso do que se registra na realidade. Para usar linguagem militar, se ao analisar a correlação de forças políticas o capitão foi acometido de excesso de prudência ou se faltou-lhe audácia, o resultado é o mesmo.

O Financial Times, essa bíblia dos investidor­es internacio­nais, recomendou ao presidente brasileiro não perder os nervos para não desperdiça­r o que lá fora e aqui dentro se identifica como a “janela histórica” – o “momento” político – favorável para seguir adiante com reformas de grande alcance, mas que provocarão formidável resistênci­a de setores bem organizado­s, como o funcionali­smo público, o Judiciário, e segmentos importante­s da economia. Não é difícil entender o nervosismo do dólar.

Fatores estruturai­s explicam a subida do dólar, mas o raciocínio político do presidente também

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