A liberdade e a advertência
O Conselho Nacional do Ministério Público agiu corretamente ao aplicar advertência ao procurador Dallagnol.
OConselho Nacional do Ministério Público (CNMP) agiu corretamente, dentro de suas funções constitucionais, ao aplicar uma advertência ao procurador da República e coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, em razão de comentário ofensivo contra três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Se algo merece reparo na punição foi a demora em aplicá-la, já que o comentário desrespeitoso foi feito em agosto do ano passado.
Em entrevista à rádio CBN, Dallagnol disse: “É triste ver (...) os três mesmos de sempre do Supremo Tribunal Federal que tiram tudo de Curitiba e que mandam tudo para a Justiça Eleitoral e que dão sempre os habeas corpus, que estão sempre formando uma panelinha, assim que manda uma mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção”. Referia-se aos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, atualmente presidente do STF.
Não cabe a um membro do Ministério Público, por discordar do voto de três integrantes do Supremo, dizer que os três “estão sempre formando uma panelinha” e que enviam “uma mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção”. Cabe, por óbvio, discordar da decisão ou da fundamentação de um magistrado, mas não foi o que fez Deltan Dallagnol. Ele agrediu moralmente três ministros, afirmando que atuavam em conluio contra o combate à corrupção.
Sempre, mas especialmente em tempos de extremado acirramento em questões políticas e ideológicas, o Ministério Público (MP), como instituição responsável pela defesa da ordem jurídica e do regime democrático, deve ser exemplar no respeito às instituições. E não há respeito às instituições quando se desautoriza sua atuação simplesmente porque se discorda da posição adotada por seus integrantes.
O MP também deve ser exemplar na defesa das liberdades e do pluralismo. O fato de um de seus integrantes discordar do voto de algum juiz não o autoriza a dizer, em entrevista a rádio, que tal magistrado passa, com o exercício de suas atribuições constitucionais, “mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção”. É preciso mais respeito e consideração com a posição divergente.
Após a advertência, em vez de pedir desculpas pelo comentário desrespeitoso, Dallagnol contestou via Twitter a decisão do CNMP, mostrando não ter captado a razão da punição e tampouco seu equívoco. Não se arrependeu nem se desculpou. Em suma, não aprendeu com seu erro. Ele se referiu à “advertência aplicada a mim pelo CNMP hoje por ter criticado decisões de ministros do Supremo”. Ora, a punição não se deu em razão de crítica a uma decisão judicial. Houve advertência por ele – um funcionário público – ter feito um juízo depreciativo e incabível sobre três ministros do STF.
No Twitter, Dallagnol mencionou ainda que apenas exerceu “o direito à liberdade de expressão e crítica”. Há aqui uma grave confusão, incompatível com o saber jurídico que se espera de um membro do MP. Vige no País um regime de liberdade, no qual todos têm direito à liberdade de expressão, aí incluído o exercício da crítica. Mas tal liberdade não autoriza ofender outrem. No mesmo artigo, a Constituição assegura que “é livre a manifestação do pensamento” e que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. O coordenador da Lava Jato teve total liberdade para dizer o que bem queria na rádio. Nada mais natural que assuma as consequências. Há liberdade e deve haver, portanto, responsabilidade, especialmente se o autor do comentário tem um ofício público.
A reação de Dallagnol à advertência do CNMP revela também sua dificuldade para se submeter ao órgão que, por força da Constituição, deve exercer “o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros”. Submeter-se a quem tem, por direito, competência disciplinar e correicional não é um favor. É um dever.