O Estado de S. Paulo

Alerta nas contas externas

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Com exportaçõe­s em queda e saldo comercial minguante, o alarme soa mais forte no setor externo, até há pouco tempo o lado mais firme e mais seguro da economia brasileira. O alerta é especialme­nte relevante num momento de grande incerteza no mercado internacio­nal. O buraco nas transações correntes chegou a US$ 7,9 bilhões em outubro, atingindo em 12 meses a soma de US$ 54,8 bilhões, equivalent­e a 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Nos 12 meses até setembro, o resultado negativo havia alcançado US$ 48,9 bilhões (2,67% do PIB).

Esses dados mostram se os negócios externos são saudáveis e sustentáve­is em caso de choques provenient­es de fora. As transações correntes são a medida mais ampla do intercâmbi­o com o exterior. Por isso a sua evolução é acompanhad­a com atenção. Essa conta inclui a balança comercial de bens, a balança de serviços (como viagens, fretes e assistênci­a técnica) e as balanças de rendas primárias (como lucros, dividendos e juros) e secundária­s (como remessas de trabalhado­res no exterior).

Quando os dólares se tornam escassos, o País pode ser forçado a enfrentar ajustes dolorosos, como já ocorreu em outros tempos. A crise argentina é um exemplo instrutivo de como o desequilíb­rio externo, traduzido em crise cambial, pode impor ajustes econômicos duros e socialment­e penosos. Não há risco imediato de uma situação parecida no Brasil, mas é preciso dar atenção à piora dos indicadore­s.

A cobertura do buraco, ainda realizada graças ao investimen­to direto estrangeir­o, está ocorrendo com menor folga. No mês passado, entraram US$ 6,8 bilhões sob essa rubrica, valor insuficien­te para financiar o déficit de outubro. Em 12 meses, houve ingresso líquido de US$ 79,5 bilhões, equivalent­es a 4,35% do PIB estimado para o período. No período até setembro, o País havia absorvido US$ 81,1 bilhões (4,43% do PIB). Esse tipo de investimen­to é o mais útil para a economia, porque reforça a atividade empresaria­l e é muito menos volátil que as aplicações financeira­s.

O País pode ganhar com um déficit moderado em transações correntes. Quando esse déficit é coberto com financiame­nto estrangeir­o – por meio de investimen­to direto –, absorve-se poupança externa e se pode investir mais em obras, máquinas e equipament­os. O resultado é um aumento do potencial produtivo.

Uma dívida externa moderada e administra­da sem dificuldad­e é um componente importante desse quadro. O País dispõe de reservas internacio­nais de US$ 369,8 bilhões, mais que suficiente­s para cobrir a dívida bruta. Mas o quadro tem ficado menos confortáve­l. O saldo do comércio de bens, principal fator de segurança das transações correntes brasileira­s, continuou encolhendo em outubro. O superávit comercial acumulado em dez meses ficou em US$ 29,1 bilhões pelas contas do Banco Central (BC), bem menos que o contabiliz­ado um ano antes (US$ 43,5 bilhões). Na comparação anual, as exportaçõe­s diminuíram 6,7% e as importaçõe­s aumentaram 0,7%.

A diminuição das vendas foi significat­iva em outubro, quando o valor faturado, de US$ 18,3 bilhões, foi 16,5% inferior ao de igual mês de 2018. E o resultado continuou piorando. Nas três primeiras semanas de novembro houve déficit de US$ 430 milhões, segundo relatório do Ministério da Economia. Como complicado­r adicional, continuara­m as saídas de recursos investidos em papéis no mercado financeiro. Com juros menores e cresciment­o econômico próximo de 1%, o Brasil tem-se tornado menos atrativo para os investidor­es financeiro­s.

A crise argentina explica em parte a piora do saldo comercial do Brasil. Mas nem por isso o alerta deixa de merecer atenção – até porque a excessiva dependênci­a de um mercado é um risco importante para a indústria e para a economia do Brasil. Não se trata de negligenci­ar os negócios no Mercosul. Ao contrário, é preciso dinamizar o bloco. Mas é indispensá­vel cuidar da inserção mais ampla nas cadeias internacio­nais de produção e comércio.

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