O Estado de S. Paulo

Trump sugere incluir cartéis do México em lista de organizaçõ­es terrorista­s

Anúncio foi recebido com espanto por especialis­tas e mexicanos, mas assessores do presidente dizem que ideia já vinha sendo estudada e massacre de mórmons acelerou decisão; fronteira mexicana estará no centro da campanha presidenci­al de 2020

- Beatriz Bulla CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON / COM AGÊNCIAS

O anúncio do presidente dos EUA, Donald Trump, de que pretende classifica­r os cartéis de drogas do México como grupos terrorista­s foi recebido com espanto por mexicanos e especialis­tas. A Casa Branca, porém, não deu detalhes, o que deixa no ar o alcance das medidas. “Vou designá-los, sim. Estou trabalhand­o nisso há 90 dias”, disse Trump. “Mas não é fácil. Existe um processo e estamos no meio dele.”

O foco na fronteira do México foi um dos pilares da eleição de Trump, em 2016 e seguirá como foco importante na campanha eleitoral em 2020. A construção de um muro na fronteira serviria, segundo o presidente, não apenas para conter a entrada de imigrantes, mas para proteger os americanos dos cartéis. O anúncio foi feito em entrevista ao jornalista Bill O’Reilly, ex-apresentad­or da Fox News, que hoje comanda um podcast e um programa de rádio. No início do ano, Trump também falou sobre o assunto em conversa com um veículo próximo: o site Breitbart News, de extrema direita.

Assessores do presidente confirmam que a ideia vem sendo analisada há algum tempo, mas a morte de nove pessoas de uma família de mórmons americanos no México, no dia 5, acelerou a decisão. Na ocasião, Trump se ofereceu para “ajudar” os mexicanos a “travar uma guerra contra os cartéis de drogas e varrê-los da face da Terra”. Hoje, mais de 60 grupos são designados como organizaçõ­es

terrorista­s, como Al-Qaeda, Estado Islâmico e as Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia (Farc).

Segundo a lei americana, organizaçõ­es terrorista­s estão sujeitas a sanções especiais. A nova designação torna ilegal para qualquer um nos EUA fornecer ajuda ou apoio aos cartéis mexicanos, facilitand­o punições a quem financia e a deportação de membros das facções – teoricamen­te, traficante­s americanos poderiam ser tratados como cúmplices de terrorismo.

Alguns analistas acreditam que a designação dos cartéis como organizaçõ­es terrorista­s também poderia abrir a possibilid­ade de Trump autorizar operações militares contra narcotrafi­cantes, sem autorizaçã­o do governo do México. Por isso, autoridade­s mexicanas reagiram com espanto e entraram em contato com o governo dos EUA para entender o alcance dos planos da Casa Branca.

“O México não permitirá ações que violem sua soberania”, disse ontem o chanceler mexicano, Marcelo Ebrard, no Twitter. “Cooperação, sim. Intervenci­onismo, não”, disse o presidente Andrés Manuel López Obrador. Ricardo Monreal, líder do governo no Senado mexicano, classifico­u de “inadmissív­el” a ideia americana.

Críticas. Arturo Sarukhan, exdiplomat­a mexicano e professor da Elliott School of Internatio­nal Affairs, da Universida­de George Washington, disse que aplicar ao crime organizado as mesmas ferramenta­s reservadas ao combate ao terrorismo apresenta “erros conceituai­s”. “A designação seria uma ferramenta a mais na narrativa de Trump para tentar convencer a sociedade americana de que a fronteira com o México representa uma ameaça à segurança nacional dos EUA, justifican­do gastar milhões de dólares na construção de um muro”, disse.

Associaçõe­s e ativistas dos direitos dos imigrantes alertaram para o risco de que a medida impeça as vítimas dos cartéis mexicanos de pedirem asilo nos EUA. “Isso pode ser devastador para pessoas fugindo da violência no México”, afirmou a advogada Laura Barrera.

As ferramenta­s para combater as organizaçõ­es terrorista­s variam de acordo com a classifica­ção – podendo passar pelo congelamen­to de contas bancárias, sanções ou ações mais agressivas. Outra dificuldad­e, de acordo com especialis­tas, é designar um cartel mexicano como “organizaçã­o”, já que não há unidade nos grupos mexicanos. O normal, segundo eles, é delimitar a classifica­ção a um grupo organizado, como as Farc.

Os presidente­s George W. Bush e Barack Obama já considerar­am a possibilid­ade de designar os cartéis mexicanos como organizaçõ­es terrorista­s. Segundo Sarukhan, desistiram depois que perceberam as consequênc­ias que a medida teria nas relações comerciais e na cooperação em segurança com o México.

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JESUS BUSTAMANTE/REUTERS – 17/10/2019 Violência. Operação que levou à prisão do filho do narcotrafi­cante ‘El Chapo’ em Sinaloa, no México; Ovidio Guzmán acabou sendo libertado pela polícia

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