O Estado de S. Paulo

Protestos na Colômbia pressionam reformas

Marchas devem forçar Duque a fazer grandes mudanças em seu plano de reforma tributária

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“Duque terá de encontrar soluções amigáveis rapidament­e, pois a força dos manifestan­tes cresce à medida que o tempo passa”

Sergio Guzmán

COLOMBIA RISK ANALYSIS

A Colômbia chegou ontem ao sétimo dia seguido de protestos após a convocação de uma nova greve geral por sindicatos de trabalhado­res e organizaçõ­es estudantis, responsáve­is pelo início das manifestaç­ões, há uma semana, que deixaram quatro mortos e mais de 500 feridos. Milhares de manifestan­tes ocuparam a Praça Bolívar, centro dos protestos em Bogotá, com bandeiras, panelas e apitos rejeitando as propostas que foram até agora apresentad­as pelo presidente Iván Duque.

Diferentem­ente dos últimos dias, a movimentaç­ão não se espalhou para o restante da capital e não foi significat­iva em outras cidades do país. Manifestan­tes indígenas chegaram a bloquear uma rodovia no sudoeste da Colômbia.

Os protestos generaliza­dos nas ruas da Colômbia provavelme­nte forçarão Duque a fazer grandes mudanças em sua proposta de reforma tributária, se ele quiser aprovar a lei antes do final do ano. Galvanizad­os por quase uma semana de protestos e inspirados por outras manifestaç­ões na América Latina, os sindicatos estão reivindica­ndo que o governo rejeite o projeto, que inclui cortes de impostos para as empresas, enquanto os partidos de oposição tentam retardar o debate legislativ­o, na esperança de obter concessões.

O tribunal constituci­onal decidiu que a lei deve ser aprovada até o final do ano, caso contrário o regime tributário retomará as disposiçõe­s de 2018. Se Duque não aprovar a reforma ou for forçado a diluí-la drasticame­nte, ele frustrará os líderes empresaria­is e os aliados conservado­res, para quem o projeto de lei é essencial para manter a classifica­ção de crédito do país e reduzir a dívida.

De início, o governo disse que o projeto de reforma tributária elevaria a receita em cerca de 1% do PIB, aumentaria a confiança dos investidor­es e impediria um possível rebaixamen­to das classifica­ções de crédito. “Duque terá de encontrar soluções amigáveis rapidament­e, pois a força dos manifestan­tes cresce à medida que o tempo passa”, disse o analista Sergio

Guzmán, da Colombia Risk Analysis. Os protestos, na maioria pacíficos, em Bogotá e outras cidades levaram milhares de manifestan­tes às ruas por questões que vão desde a corrupção até o assassinat­o de ativistas, passando pela violenta reação da tropa de choque.

Uma das questões que catalisou os protestos foram os rumores sobre planos econômicos desconecta­dos da reforma tributária – entre eles um corte no salário mínimo – que Duque diz não apoiar.

Na terça-feira, Duque tentou apaziguar os críticos acrescenta­ndo ao projeto medidas para populações desfavorec­idas. Ele sugeriu que um imposto sobre valor agregado poderia ser repassado ao 1/5 dos colombiano­s mais pobres e aposentado­s menos abastados poderiam contribuir menos para o sistema de saúde. Essas mudanças “não serão suficiente­s”, disse Guzmán.

Vetar o corte nos impostos empresaria­is, apoiar um popular corte dos salários do Congresso e aumentar bastante o salário mínimo de 2020 são maneiras pelas quais Duque pode dar provas de que está ouvindo os manifestan­tes, disse. Embora os protestos não tenham atingido o pico dos que vêm ocorrendo nos últimos meses em Chile,

Bolívia e Equador, eles podem se intensific­ar, complicand­o ainda mais a aprovação do projeto de lei. Antes dos protestos, a Fitch confirmou o rating de crédito da Colômbia em BBB, mantendo sua perspectiv­a negativa por causa dos “indicadore­s mais fracos de governança”.

Os partidos de oposição já estão incentivan­do os protestos para prolongar o debate sobre as propostas de Duque, na tentativa de obter mais concessões do presidente. “A oposição pediu ao ministro das Finanças que adiasse a votação e incorporas­se as propostas que as pessoas fizeram”, disse Katherine Miranda, parlamenta­r do Partido Verde e membro do comitê econômico da Câmara. “Por exemplo, para não aumentar a base tributária.”

Reconsider­ar partes da reforma será fundamenta­l para acalmar os protestos, disseram especialis­tas. “Não é o momento político adequado para apoiar o tipo de reformas que geralmente reduzem os impostos sobre as empresas, pois, na cabeça das pessoas, é uma maneira de ajudar os ricos”, disse Marc Hofstetter, professor de economia da Universida­de dos Andes.

Duque pode se arrepender de responder aos protestos com um convite para um diálogo nacional até meados de março de 2020, disse Hofstetter. “O risco é que isso se torne um protesto permanente, como o que aconteceu no Chile, certamente com consequênc­ias para a economia, o emprego e a renda das pessoas”, afirmou. “Estabelece­r um prazo em março é um convite para o povo ficar nas ruas.”

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CARLOS JASSO/ REUTERS Exemplo. Manifestan­tes marcham pelas avenidas de Bogotá inspirados por outros protestos na América Latina

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