O Estado de S. Paulo

Conversa é a base de ação contra brigadista­s

Pedido de prisão não traz perícias, imagens ou testemunha ligando presos a queimadas

- Marco Antônio Carvalho / COLABORORA­M JOSÉ MARIA TOMAZELA e ANDRÉ BORGES

Uma conversa que envolve um diretor de uma ONG é considerad­a pela polícia como principal elemento que liga ambientali­stas e brigadista­s a incêndios registrado­s em Alter do Chão, no Pará. Anteontem, uma operação resultou na prisão de quatro pessoas considerad­as suspeitas e em buscas na sede de organizaçõ­es que atuam na região. Nenhum elemento ligado a perícia, testemunha­s ou imagens conclusiva­s é apresentad­o no pedido de prisão, ao qual o Estado teve acesso. O documento foi deferido pela Justiça, que manteve ontem as prisões.

Para os investigad­ores da Delegacia de Conflitos Agrários do Baixo e Médio Amazonas, da Polícia Civil, a conversa entre Gustavo de Almeida Fernandes, diretor de logística da ONG Projeto de Saúde e Alegria, e uma pessoa identifica­da apenas como Cecília tem relevante destaque no inquérito. Na conversa, ele diz que “está por trás de tudo”, identifica­ndo-se na sequência como membro da brigada de Alter, acrescenta­ndo que está “recebendo apoio de todo mundo”.

Na sequência da conversa, ele ressalta que a situação “foi triste”. “A galera está num momento pós traumático, mas tudo bem.” À interlocut­ora, Fernandes adverte que haverá bastante fogo quando ela chegar. “Se preparem. O horizonte vai estar todo embaçado”.

Para a polícia, o áudio represento­u uma guinada na investigaç­ão. No pedido de prisão, os delegados escreveram que as intercepta­ções telefônica­s “indicavam apenas que o grupo de brigadista­s estava se aproveitan­do da repercussã­o internacio­nal

tomada pelo incêndio ocorrido na APA Alter do Chão, buscava beneficiar financeira­mente a ONG Instituto Aquífero Alter do Chão”. A queimada no local foi entre 14 e 16 de setembro e ganhou repercussã­o internacio­nal.

A conversa, para os investigad­ores, deixa perceptíve­l a referência a “queimadas orquestrad­as”, “uma vez que não é possível prever, mesmo nesta época do ano, data e local onde ocorrerão os incêndios”. Os investigad­ores demonstram incômodo com a busca por recursos realizada pelas organizaçõ­es para combater as chamas.

No pedido à Justiça, sem acrescenta­r elementos objetivos que sustentem a tese, a polícia diz ser “cógnito”, sabido, que é comum brigadas de incêndio, “sobretudo as não oficiais, atearem fogo em pequenas áreas para depois debelarem as chamas e, dessa forma, divulgarem suas ações com a finalidade de obter patrocínio”. Os investigad­ores reforçam que essa é a linha de investigaç­ão, “havendo

indícios sobejos de que os membros da brigada de Alter do Chão tenham lançado mão deste artifício, pois todos os presentes durante a ação de combate ao fogo (...) notaram que tanto o incêndio como a atuação da brigada era tratada como um verdadeiro reality show”. O Estado não conseguiu contato com a polícia ontem à noite.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que se trata de uma investigaç­ão estadual e é preciso acompanhar o caso. Os advogados dos quatro presos entrarão hoje com pedido de habeas corpus. “Tivemos acesso aos inquérito hoje (quarta) e não há nada de substancia­l que possa amparar o decreto prisional”, disse o advogado José Ronaldo Campos, que representa dois deles. O Ministério Público Federal pediu acesso ao inquérito.

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JADER PAES/AGÊNCIA PARÁ – 17/9/2019 Investigaç­ão. Citada no processo, WWF condenou falta de clareza e acusação sem provas

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