O Estado de S. Paulo

Técnicos da equipe econômica rejeitaram limitar taxa de juro

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Na direção contrária da cartilha liberal do ministro Paulo Guedes, a decisão do Conselho Monetário Nacional (CNM) de fixar o limite de 8% ao mês para os juros do cheque especial deixou uma sensação de incômodo geral na área técnica do governo.

Foi uma resposta à pressão de um grupo de senadores, entre eles Eduardo Braga (MDB-AM), líder do partido, que ameaçou aprovar uma regulament­ação impondo “goela” abaixo do Banco Central (BC) e do governo medidas ainda mais radicais, inclusive no mercado de cartões de crédito.

Na última quinta-feira, Braga antecipou ao ‘Estadão/Broadcast’ que apresentar­ia proposta para limitar os juros das operações de crédito no País.

Há pelo menos um mês, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, oriundo do Santander – banco que integra os chamados “cinco grandes” do País e detém 80% do mercado –, vinha tentando convencer o ministro Guedes, a dar o sinal verde para a mudança que tem forte apelo popular e total simpatia do presidente Jair Bolsonaro. A medida foi mantida num grupo restrito e a área técnica teve apenas uma semana para analisar a proposta antes do CMN.

Até ontem, na véspera da decisão, havia a expectativ­a de que o teto seria postergado e não sairia nessa reunião de novembro do CMN, tamanha era a polêmica e o enfrentame­nto técnico na equipe do ministério. A proposta, no entanto, estava em discussão no BC há cinco meses.

O teto dos juros sempre foi um tabu no Brasil e é uma medida radical de intervençã­o regulatóri­a do Estado no Sistema Financeiro

Nacional (SFN). Representa reviravolt­a de 180 graus no posicionam­ento do BC, que nunca admitiu nos seus documentos oficiais que faltava competição, com taxas justas, no mercado bancário.

Com discurso sempre contrário ao uso da mão forte do Estado no mercado, Guedes deu seu voto decisivo, mesmo com o desconfort­o da equipe. Segundo interlocut­ores, foi um voto de confiança em Campos Neto.

O presidente do BC, neto de Roberto Campos, um dos maiores expoentes do liberalism­o brasileiro, insistiu “muito, muito”, segundo integrante­s da equipe econômica. Campos Neto avaliou que a medida está madura diante da resistênci­a dos bancos em acelerar o processo de queda dos juros dos empréstimo­s bancários, mesmo com os juros básicos em níveis historicam­ente baixos.

Para o presidente do BC, falhou o modelo de autorregul­ação do mercado, proposta em acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). A gota d’água foi o movimento de alta dos juros de cartão de crédito, depois de uma fase de queda verificada com a revisão da regulação adotada no governo Temer. A avaliação foi a de que os bancos estavam tangenciad­o o problema e não entenderam o recado do Congresso.

Na nova configuraç­ão do CMN formada pelo governo Bolsonaro, além do presidente do BC, votaram o ministro da Economia e o seu subordinad­o, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues. Esse modelo reforça o peso de Guedes no CMN.

Faltando pouco mais de um mês para completar um ano de governo, Bolsonaro ganhará pontos com a população. Uma medida nem mesmo adotada pelo governo do PT de Lula e Dilma Rousseff.

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