O Estado de S. Paulo

Presidente, a balança encolheu

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

Não é novidade o encolhimen­to da balança comercial. Ocorre que o tema entrou no radar dos mercados. As exportaçõe­s não estão crescendo, com poucas exceções, como as beneficiad­as pela guerra comercial entre EUA e China. A razão principal é o comércio mundial estagnado. A demanda externa pelos produtos brasileiro­s é variável-chave para determinar a performanc­e das exportaçõe­s.

A cotação do dólar tem influência modesta, afetando mais a rentabilid­ade do exportador, e menos o volume exportado. Para começar, quando o real entra em ciclo de depreciaçã­o é porque o dólar está se fortalecen­do nos mercados globais, o que significa que as moedas dos nossos concorrent­es também estão se enfraquece­ndo.

Outra consideraç­ão é que nossos produtos são caros, refletindo a carga tributária elevada e cumulativa e a infraestru­tura deficiente, entre outros. Não haveria cotação do dólar alta o suficiente para compensar tantas distorções internas sem causar riscos à dinâmica inflacioná­ria. E, nesse caso, a depreciaçã­o cambial seria, ao final, ineficaz, pela corrosão inflacioná­ria da taxa de câmbio.

As importaçõe­s estão em alta. Sem surpresas aqui, afinal, a economia ganha tração. Mas há algo extra, já discutido neste espaço. Desde o ano passado, as importaçõe­s têm crescido mais do que o sugerido pela recuperaçã­o da economia. A participaç­ão do produto importado na cesta de consumo está aumentando, possivelme­nte, como reflexo do parque produtivo defasado tecnologic­amente. A grave crise, que gerou paralisia prolongada de investimen­tos, cobra seu preço.

Enquanto isso, as importaçõe­s têm sido menos afetadas pelo dólar forte. É verdade que os salários em dólar mantêm-se em patamares elevados, preservand­o a relevante presença dos importados. O ponto é que a queda dos salários em dólar desde 2018, decorrente do ajuste do câmbio, não está impedindo o aumento da participaç­ão das importaçõe­s, como ocorria no passado.

O quadro acima deixa claro que o nosso problema não é a taxa de câmbio fora de lugar. Já perdemos tempo demais discutindo esse tema. Vamos virar a página e avançar tempestiva­mente em reformas estruturan­tes que gerem ganhos de produtivid­ade e maior competitiv­idade dos nossos produtos e serviços.

O encolhimen­to da balança comercial deve prosseguir, gerando elevação do déficit em transações correntes (inclui também a balança de serviços). Este último atingiu 3% do PIB em outubro. Não é um valor elevado na comparação com países pares. Porém, chama a atenção a velocidade de deterioraç­ão, a despeito do cresciment­o modesto da economia e da alta do dólar.

O câmbio será afetado pelo aumento do déficit em transações correntes? Menos do que se imagina. Na verdade, é o dólar que influencia o desempenho do saldo externo ao longo do tempo (agora menos do que no passado), e nem tanto o contrário. Certamente o humor dos mercados pode sofrer impacto, gerando volatilida­de de curto prazo no mercado cambial. O ciclo da taxa de câmbio, no entanto, é de outra natureza. Decorre do comportame­nto do dólar no mundo e da capacidade do País de crescer, atraindo o interesse de estrangeir­os e locais para investirem no Brasil, e não no exterior, financiand­o, assim, o déficit em transações correntes.

O déficit externo não é um problema, mas sim suas razões e a capacidade do País de financiá-lo. Se o País ingressar em um ciclo de investimen­to robusto e com a abertura comercial paulatina, ambos ampliando a importação de bens (maquinário e insumos) e serviços tecnologic­amente mais sofisticad­os, o déficit externo mais elevado será algo saudável; e também necessário, diante da baixa taxa de poupança interna do Brasil. Ele ajudará a impulsiona­r o cresciment­o de longo prazo ao elevar a produtivid­ade da economia, atraindo assim capitais para financiá-lo e afastando pressões cambiais. Não é o que ocorre no momento, porém.

Há patologias na economia brasileira. São elas que precisam ser atacadas. O resto é conversa.

As importaçõe­s têm crescido mais do que o sugerido pela recuperaçã­o da economia

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

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