O Estado de S. Paulo

O LIVRO DAS ALGOZES DE WEINSTEIN

- MARCELA PAES

Quando começaram a investigar as acusações contra o produtor de cinema Harvey Weinstein, as jornalista­s do The New York Times Jodi Kantor (abaixo, à esquerda) e Megan Twohey não imaginavam o impacto que a denúncia teria no mundo. Amanhã sai no Brasil, pela editora Cia. das Letras, o livro Ela Disse (She Said), em que as duas relatam os bastidores da reportagem que propagou o movimento #MeToo. Leia abaixo a conversa telefônica com Jodi.

Parece que a parte mais difícil não foi colher informaçõe­s, mas convencer as pessoas a falarem publicamen­te. Duvidou de que conseguiri­a publicar a matéria?

Sim. Nós tínhamos um senso de responsabi­lidade, a noção de que era obrigatóri­o ter evidência o suficiente para poder publicar. Ter a autorizaçã­o da Ashley Judd pra publicar o depoimento significou muito. Ela realmente colocou sua carreira em risco ao revelar as suas experiênci­as. E ela falou tentando ajudar outras atrizes de Hollywood.

Foi difícil se aproximar de uma atriz famosa num caso tão sério?

Não por isso. O que a gente tentou fazer com todas as fontes foi mostrar a veracidade das alegações. Como Weinstein se livrou disso por tanto tempo? E saber como as coisas realmente acontecera­m. Tentamos trazer as pessoas para esse processo de investigaç­ão com a gente. Foram meses e meses de trabalho com a Ashley Judd antes que ela permitisse a publicação.

Harvey Weinstein tem muitos advogados e já tinha silenciado muitas mulheres em acordos judiciais que as impediam de falar. Vocês tiveram medo dele enquanto investigav­am essa história?

Ele não sabia de metade das coisas que estavam acontecend­o. Também não sabia o que a gente estava tentando fazer, nem das nossas fontes. Não tínhamos medo porque somos repórteres investigat­ivas e isso o impedia de fazer algumas coisas. Tínhamos medo de falhar. Sabíamos que não podíamos contar absolutame­nte nada do que investigáv­amos para ninguém. Foi uma honra poder fazer essa revelação.

Depois disso, muitas histórias parecidas apareceram. Como vocês se sentiram?

Comovidas e estupefata­s. Antes de a história ser publicada a gente não tinha ideia do impacto que isso causaria. Pensamos que talvez ninguém fosse se importar. Talvez isso fosse visto como “apenas mais um caso que acontece em Hollywood...”.

O comediante Aziz Ansari também foi acusado por uma garota e logo o Louis CK. No caso do Aziz muita gente achou que foi um exagero. Você concorda?

Não, há muitas perguntas que devem ser feitas para podermos analisar, mas é uma situação bem diferente. No caso do Louis CK, eu trabalhei na matéria sobre ele e as mulheres estavam prontas para falar.

Essa investigaç­ão a transformo­u como pessoa?

O livro confirma aquilo em que a gente acredita e mostra que o jornalismo importa. Uma hora a verdade aparece. Estávamos muito felizes em poder revelar o que o jornalismo pode alcançar e por mostrar o que esse tipo de coisa pode vir a desencadea­r.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil