O Estado de S. Paulo

Outro olhar para a obra de Nelson Angelo

Música. Parceiro de Milton Nascimento, compositor relê clássicos em novo álbum

- Renato Vieira

O mineiro Nelson Angelo chega muito bem ao fim de 2019. Aos 70 anos recém-completado­s, ele escreveu 10 letras para um disco do amigo Lô Borges, Rio da Lua, viu seu LP gravado em 1972 com Joyce Moreno (ainda assinando apenas Joyce) ser relançado, fez um álbum de inéditas chamado Vitral do Tempo e agora repassa clássicos da carreira em O Pensador. Como se não bastasse tanto trabalho nos últimos meses, em outubro Caetano Veloso cantou Fazenda durante uma apresentaç­ão do show Ofertório em Belo Horizonte. “Vou cantar uma música que eu considero uma das músicas mais lindas que existem”, disse Caetano. Uma saudação que emocionou o compositor, um dos sócios do Clube da Esquina.

“Dar um viva a Nelson Angelo e dizer que Fazenda é uma das músicas mais bonitas que existem é uma atitude política, no melhor dos sentidos. As pessoas não fazem isso, e ele é um cara consagrado. Foi como se eu tivesse ganhado um prêmio”, afirma Nelson. Gravadas praticamen­te ao mesmo tempo por Milton Nascimento e Fafá de Belém em 1976, Fazenda é uma das 12 faixas de O Pensador. Depois de Vitral do Tempo, que saiu em junho, Nelson pensava em fazer um disco de releituras. Sylvio Fraga, da gravadora Rocinante, e o compositor Thiago Amud o procuraram com a mesma ideia. Já disponível nas plataforma­s digitais, O Pensador também tem uma edição em vinil prevista para 2020, quando o selo deve inaugurar fábrica própria de LPs.

O grupo de base do disco é formado por velhos conhecidos do compositor, Luiz Alves (baixo), Robertinho Silva (percussão) – ambos integrante­s do grupo Som Imaginário – e Esdra ‘Neném’ Ferreira (bateria). O título foi inspirado em uma obra do artista plástico belga JeanMichel Folon (1934 - 2005).

Nelson o conheceu nos anos 1970, quando Folon fez a arte de um disco que ele gravou na França ao lado de Naná Vasconcelo­s e Novelli. O artista plástico lhe deu de presente um catálogo com trabalhos que fez. Quando viu O Pensador, Nelson imaginou aquela imagem na capa de um disco dele.

Das 12 canções de O Pensador, cinco foram gravadas por Milton, figura fundamenta­l na carreira de Nelson. Os dois se conheceram nos anos 1960, em Belo Horizonte, antes de se mudarem para o Rio de Janeiro.

Um dos primeiros trabalhos da dupla foi durante o Festival da Record de 1968, quando eles acompanhar­am as cantoras Cynara e Cybele, que eram do Quarteto em Cy, na música Sentinela. “Ele é uma das pessoas mais importante­s da minha vida. O conheci muito jovem. Foi a pessoa que viu as minhas qualidades musicais. Gosto muito das letras que ele fez para minhas músicas. Embora hoje em dia a gente não tenha mais contato, porque a vida vai levando, Bituca está no meu coração.” Nelson participou de vários discos do amigo, incluindo Clube da Esquina.

Uma parceria curiosa entre os dois é Reis e Rainhas do Maracatu, feita para uma escola de samba de Três Pontas, no sul de Minas, onde Milton foi criado. Foi dele a ideia de chamar Novelli e um primo, Fran, para terminar a música, já que sambasenre­do contam com vários autores. O registro que Milton fez da música, em 1978, foi em ritmo de samba. Em O Pensador, Nelson fez uma versão influencia­da pelo maracatu.

O interior e a natureza do Brasil são matérias-primas essenciais da obra de Nelson. Fazenda, sobre lembranças da infância em uma fazenda de parentes, teve letra e música feitas em apenas dez minutos. Canoa, Canoa, com letra de Fernando Brant, retrata a rotina do povo indígena Avá-Canoeiro. Em O Pensador, a música entra em versão instrument­al, com Nelson dedicando-a “ao índio Fernando Brant”.

O compositor sente falta de Brant, que morreu em junho de 2015, aos 68 anos. “Sempre

que acontecia algo bom pra mim, Fernando era o primeiro a falar comigo.”

Nelson também fez parte das bandas de Geraldo Vandré e Elis Regina, além de participar da Turma do Funil, ao lado de Francis Hime, Miúcha, Danilo Caymmi, entre outros. Mas a convivênci­a com o ídolo Tom Jobim ocupa lugar especial entre as memórias do compositor.

O maestro gostou de Tiro Cruzado, parceria de Nelson e Márcio Borges que também está em O Pensador, e gravou a música no primeiro disco que fez ao lado da amiga Miúcha, em 1977. “Fui várias vezes à casa do Tom. É uma pena que eu não tenha guardado nenhuma foto com ele”, lamenta Nelson.

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JOÃO ATALA Inspiração. Nelson escolheu para a capa do disco obra do belga Jean-Michel Folon
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O Pensador
Disponível nas plataforma­s digitais
NELSON ANGELO O Pensador Disponível nas plataforma­s digitais

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