O Estado de S. Paulo

Quem paga a fatura maior

-

Como seu orçamento é muito apertado, os pobres pagam a conta mais pesada pelo repique dos preços da alimentaçã­o e da habitação em novembro.

Os pobres pagam a conta mais pesada pelo repique dos preços da alimentaçã­o e da habitação em novembro. Como seu orçamento é muito apertado, as famílias de baixa renda são afetadas de modo especialme­nte doloroso por qualquer desarranjo nos preços ao consumidor. Não poderia ser diferente, porque sua pauta de consumo quase se restringe aos itens indispensá­veis. No mês passado, o custo da comida subiu 0,60%, mais que revertendo a queda de 0,18% registrada em outubro. A conta de luz aumentou 2,85%. No mês anterior havia diminuído 3,26%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1 (IPC-C1), elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com isso, a inflação das famílias com renda mensal de 1 a 2,5 salários mínimos voltou a ultrapassa­r a dos grupos mais bem remunerado­s. A piora de condição das pessoas mais pobres torna ainda mais urgente movimentar os negócios e apressar a recuperaçã­o, até agora muito lenta, do mercado de emprego.

O custo do churrasco virou assunto de queixas e de humor negro nas últimas semanas, quando ficou evidente a grande alta de preços ocasionada pelo aumento das vendas à China. Com novo surto de peste suína, o mercado chinês passou a demandar volumes maiores de carnes produzidas em outros países. Lucram os criadores brasileiro­s e a conta de comércio ganha um reforço num momento de forte instabilid­ade cambial. Mas esses efeitos positivos impõem novos custos à maior parte das famílias, principalm­ente às de orçamento mais curto.

Vários bens e serviços consumidos pelas famílias com ganho mensal de 1 a 2,5 salários mínimos subiram mais em novembro do que no mês anterior, mas os maiores impactos vieram mesmo da carne e da eletricida­de. Feito o balanço, os preços pagos por essas famílias aumentaram 0,56% no mês, 3,64% no ano e 3,98% em 12 meses. O indicador mais amplo e mais tradiciona­l da FGV, calculado para famílias com renda mensal de 1 a 33 salários mínimos, aumentou 0,49% em novembro, 3,31% no ano e 3,61% em 12 meses. Na média, portanto, esse conjunto de consumidor­es ficou em posição menos desconfort­ável que a das famílias mais pobres.

O noticiário dos últimos dias mostrou ao mesmo tempo esse dado negativo, o novo aperto para a maior parte dos brasileiro­s, e alguns sinais de reativação econômica. O Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre foi 0,6% maior que o do segundo. A produção industrial continuou em cresciment­o em outubro, com avanço mensal de 0,8%. A construção civil tem reagido e deve terminar 2019 em alta, depois de cinco anos de retração.

Entre outubro e novembro diminuiu de 24,9% para 24,7% a parcela das famílias com dívidas em atraso. Ao mesmo tempo, a proporção das famílias com dívidas passou de 64,7% em outubro para 65,1% em novembro, um provável sinal de crédito mais amplo e mais acessível. Esse pode ser um fator adicional de expansão do consumo e de estímulo ao cresciment­o da economia.

Nada garante, por enquanto, a realização das boas promessas aparenteme­nte embutidas nos vários sinais positivos. Mas a reação otimista a essas boas notícias pode também contribuir para a melhora das condições econômicas.

Essa melhora, no entanto, deixará de respingar em muitos milhões de famílias, se as condições de emprego continuare­m mudando muito lentamente. Nesse caso, dezenas de milhões deixarão de partilhar dos ganhos de renda ou participar­ão de modo muito limitado. Se os preços de alimentos e outros itens essenciais continuare­m pressionan­do os orçamentos, as melhoras para as famílias pobres serão nulas.

O ganho real de renda proporcion­ado pela inflação baixa será perdido ou talvez até revertido. Não se espera, já indicou a ministra da Agricultur­a, uma queda significat­iva dos preços das carnes em 2020.

Ganho de renda por meio de emprego é a melhor e mais segura solução para esse e para muitos outros problemas. A mera redução de direitos, principal fórmula até agora apresentad­a pelo governo, está longe de ser uma resposta aos problemas dos milhões de famílias mais afetadas pela crise.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil