O Estado de S. Paulo

Para Barroso, Justiça não barra fake news

Prestes a assumir presidênci­a do TSE, Luís Roberto Barroso alerta que combate a desinforma­ção com medidas judiciais traz risco de censura

- Rafael Moraes Moura Breno Pires / BRASÍLIA

O vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, disse ao Estado que há risco de imposição de censura quando se tenta combater a disseminaç­ão das chamadas “fake news” com medidas judiciais. Para ele, não há meios materiais nem recursos humanos que consigam enfrentar o problema “na velocidade necessária”.

Próximo presidente do TSE, tribunal que comandará a partir de maio do próximo ano, Barroso compara o enfrentame­nto da desinforma­ção ao trabalho de Sísifo, figura da mitologia grega condenada a empurrar uma pedra até o lugar mais alto da montanha para vê-la, de novo, rolar para baixo. Para o ministro, a Justiça Eleitoral sozinha não resolve o problema – e depende de parcerias com as plataforma­s da internet para combater as notícias falsas.

“A gente até pode conseguir tirar aqui e ali, por decisão judicial, informaçõe­s inverídica­s, mas há dois problemas”, disse o ministro. “Primeiro, o risco onipresent­e de censura, que se deve evitar. E, segundo, não há meios materiais nem recursos humanos que consigam correr atrás na velocidade necessária. Portanto, não se deve criar a fantasia de que, por decisão judicial, se bloqueiam fake news.”

Diante desse cenário, o tribunal aprovou no último dia 18 uma resolução que impõe a candidatos o dever de checar informaçõe­s antes de divulgá-las por meio de propaganda eleitoral. Se na propaganda houver fake news, fica assegurado o direito de resposta ao ofendido. Pode ainda haver responsabi­lização penal, em casos de calúnia e difamação, com base em outras leis vigentes.

“A resolução prevê que o candidato ou o partido que veicule na sua propaganda informação que esteja circulando deve verificar a autenticid­ade”, afirmou Barroso.

Plataforma­s. A atuação do TSE durante a última campanha eleitoral foi duramente criticada. O antecessor de Rosa Weber na Presidênci­a, ministro Luiz Fux, chegou a anunciar que o tribunal faria uma resolução contra fake news, mas o plano não prosperou.

Durante o primeiro turno, Rosa não convocou reuniões de um conselho criado para desenvolve­r pesquisas e estudos sobre os riscos de fake news e o uso de robôs na disseminaç­ão de informaçõe­s.

O conselho das fake news só voltou a se reunir no segundo turno, quando o problema já havia adquirido grandes proporções – a própria Justiça Eleitoral se tornou alvo de notícias falsas, com a disseminaç­ão de vídeos que colocavam em xeque a segurança da urna eletrônica. Em maio deste ano, Rosa admitiu que foi surpreendi­da por um “direcionam­ento maciço de ataques à Justiça Eleitoral”.

De acordo com Barroso, a estratégia do tribunal para o enfrentame­nto da desinforma­ção é a utilização de meios tecnológic­os das próprias plataforma­s e campanhas de conscienti­zação da população para que não repasse acriticame­nte qualquer tipo de notícia que receba.

Em outubro, Google, Facebook, Twitter e WhatsApp aderiram ao programa de enfrentame­nto à desinforma­ção com foco nas eleições municipais de 2020. As plataforma­s têm buscado investir em checagem de informaçõe­s, campanhas de conscienti­zação e verificaçã­o de contas para evitar disseminaç­ão de fake news.

O coordenado­r do Programa de Enfrentame­nto à Desinforma­ção do TSE, Ricardo Fioreze, explica que a atuação preventiva é importante porque os juízes eleitorais só podem remover conteúdo de fake news da internet se forem provocados por quem for prejudicad­o.

Manipulaçã­o. Uma das preocupaçõ­es de Fioreze, compartilh­ada por especialis­tas em direito eleitoral, é que as eleições possam ser influencia­das pelo uso das chamadas deepfakes. Essa é uma técnica que, por meio de inteligênc­ia artificial, na edição de vídeos, permite colocar palavras na boca de uma pessoa para que ela apareça dizendo frases que na realidade não disse.

“Os deepfakes constituem uma forma mais recente de produção de desinforma­ção e são objeto de preocupaçã­o para as eleições de 2020, embora não se possa afirmar que a prática será adotada em larga escala”, afirmou Fioreze. “A preocupaçã­o decorre da maior dificuldad­e de identifica­ção da prática, que se apoia em recursos tecnológic­os mais sofisticad­os.”

Uma outra maneira de conter fake news é o apoio de agências de checagem de informação, destaca o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Og Fernandes. “O TSE conta com essa parceria no combate à desinforma­ção. Estamos avançando, mas nessa batalha ninguém ou nenhuma instituiçã­o está fora do combate. A soma dessas vontades será maior que nós todos.”

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GABRIELA BILÓ/ ESTADÃO-23/10/2019 Urnas. Políticos devem evitar desinforma­ção, diz Barroso

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