O Estado de S. Paulo

Saberemos se essa ortodoxia fiscal toda é para valer

Gustavo Franco

- •✽ GUSTAVO H.B. FRANCO

Ao final de 2019, o primeiro ano da presidênci­a Jair Bolsonaro, a posição na tabela da economia é intermediá­ria, nem títulos, nem rebaixamen­to. Não é pouca coisa, o Brasileirã­o é muito difícil.

A essa altura, já não importa mais o ponto de partida, e que o legado de Dilma Rousseff tenha sido uma tragédia grega em 50 atos. A nova administra­ção já teve tempo de se estabelece­r. Vamos a uma resenha fria. Com muito esforço, o Ministério da Economia conseguiu um déficit primário de R$ 70 bilhões, ou parecido, conforme antecipado pelo secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. É bem melhor do que se esperava – a meta previa R$ 132 bilhões –, mas, lamento informar, não é o suficiente. Não é o suficiente para o ministro poder dizer que a taxa de juros de 4,5% ao ano, que todo mundo adorou, está assentada.

Dilma não conseguiu sustentar 7,25%, um juro maior, mesmo com mais superávit.

Ainda falta muito para o ideal, o secretário Mansueto sabe disso, e por isso mesmo o seu artigo recente é mais advertênci­a que comemoraçã­o. Ele sabe que Brasília é a capital de deixar as coisas pela metade. Se a turma achar que já fez a parte mais difícil do trabalho, logo vai querer declarar vitória e parar com os ajustes.

No próximo ano vamos saber se essa ortodoxia fiscal toda é para valer ou é só garganta. A execução do restante da consolidaç­ão fiscal é o que vai assegurar a permanênci­a dos juros onde estão e fazer acontecer tudo de bom que se desenha no mercado de capitais a partir dessa política monetária.

Não é claro que, com o fiscal atual (menos R$ 70 bilhões), o juro de 4,5% se sustente; provavelme­nte, se a cavalaria fiscal não chegar, o Banco Central não vai segurar Moscou quando o general inverno chegar, o ministro conhece bem essa imagem.

O Banco Central conseguiu avançar mesmo com o ajuste fiscal pela metade graças à credibilid­ade acumulada do sistema de metas, e à força dos compromiss­os ali representa­dos. Seria de uma estupidez histórica se o governo federal entrasse 2020 afrouxando a política fiscal, ainda mais em vista do que temos nos Estados e municípios.

As coisas estão melhorando, sim, mas temos ainda 12 milhões de desemprega­dos. Foram criados cerca de 100 mil empregos formais em novembro, informa o Caged, acumulando cerca de 950 mil para o ano, número razoável, mas é bom não esquecer que a força de trabalho cresce cerca de 1,4 milhão a cada ano. Esse ritmo de criação de empregos, ainda que melhor que o de antes, estabelece uma redução do desemprego muito lenta.

Vamos ter muita discussão sobre empregos “gig” (frilas, terceiriza­dos, MEI, essas coisas) que a oposição vai dizer que são precários, e que os empregados vão dizer que são precários, mas são nossos. Vai ter rolo na Justiça do

Trabalho, ela própria enfrentand­o um teste essencial para a sua existência. Enfim, ainda muito chão pela frente antes de declarar vitória sobre o desemprego.

Outra conta para diminuir as ilusões de fim de ano: em 1980, o Brasil tinha uma renda per capita equivalent­e a cerca de 40% da renda per capita dos EUA. Hoje é 25%. A pergunta é: quanto é preciso crescer a cada ano, de 2020 a 2080, para chegar lá com os mesmos 40% de um século antes? Resposta: 2,5% ao ano mais ou menos, com hipóteses razoáveis sobre população, sobre os EUA e a produtivid­ade. Ou seja, 2,5% até 2080 assegura que não vamos perder este século; não é para ninguém ficar muito feliz. Deveríamos estar muito preocupado­s em fazer reformas mais profundas para crescer mais que isso.

As mais prontas, mais fáceis e de sucesso mais garantido atendem pelo nome de Eletrobrás e Banco do Brasil, ambas encrencada­s, esta última sendo um marco para a competição no sistema bancário. A privatizaç­ão da Eletrobrás seria um rude golpe contra os corporativ­ismos regionais e setoriais.

Há uma enorme demanda por otimismo, todos querendo acreditar em alguma fórmula para a prosperida­de, mas, paradoxalm­ente, o País continua dividido, ressentido e contrariad­o. A luta eleitoral e cultural parece prosseguir ininterrup­ta, completame­nte conflagrad­a e aberta no terreno da política, o presidente não ajuda e ele tem muitos amigos briguentos, que não sossegam.

EX-PRESIDENTE DO BC E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMEN­TOS

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO-7/3/2017 Ritmo de criação de novos postos ainda é lento para absorver total de pessoas sem ocupação
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