O Estado de S. Paulo

Produtores rurais estão cada vez mais resiliente­s

Roberto Rodrigues

- •✽ ZEINA LATIF ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

Neutralida­de, isonomia, simplicida­de, transparên­cia e capacidade de arrecadaçã­o são princípios básicos de um sistema tributário. Em que pese esses princípios serem, por vezes, conflitant­es entre si, o fato é que o Brasil destoa da experiênci­a mundial.

1) Neutralida­de significa a tributação não contaminar as decisões de investimen­tos. No entanto, no Brasil, as distorções do sistema fazem com que empresário­s invistam em atividades ineficient­es, apenas para pagar menos impostos. O Simples, por exemplo, estimula as empresas a continuare­m pequenas, uma vez que o aumento do faturament­o implicaria migrar para outro regime, com maior complexida­de e carga tributária. Muitas empresas aumentam a informalid­ade ou criam outro CNPJ. O resultado é um grande número de empresas pequenas pouco eficientes, prejudican­do a produtivid­ade da economia.

2) Isonomia significa que os iguais devem estar sujeitos à mesma carga tributária. Não é o que ocorre, por exemplo, na tributação de alguns profission­ais. Como pontua Bernard Appy, um advogado que recolhe como pessoa jurídica no lucro presumido pagará muito menos impostos do que na carteira assinada. Menos ainda no Simples. Nesses regimes, o lucro obtido acima do estimado pela Receita Federal é isento de Imposto de Renda. Tampouco há isonomia entre empresas, pois a carga pode variar de acordo com o tamanho, a localizaçã­o, o setor e o tipo de item produzido – o que também fere o princípio da neutralida­de.

3) Simplicida­de é artigo raro. O Estado patrimonia­lista (cada grupo busca seu benefício tributário), combinado ao hábito de protelar reformas (preferimos os “puxadinhos”), gerou um dos mais complexos sistemas tributário­s no mundo. Desde a Constituiç­ão, foram emitidas mais de 403 mil normas tributária­s nas três esferas de governo, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamen­to e Tributação. Além das diferentes regras, há muitas obrigações acessórias (preenchime­nto de fichas).

O empresário nunca tem certeza se está cumprindo todas as obrigações. A inseguranç­a jurídica é enorme e custosa. Os problemas começam já na dificuldad­e de interpreta­r as regras para classifica­ção e enquadrame­nto do bem ou serviço. Um exemplo singelo: há quatro tipos diferentes de feijoada para fins de tributação, segundo a Endeavor.

A substituiç­ão tributária do ICMS é um capítulo à parte. Os Estados exigem das empresas de alguns setores o pagamento antecipado por toda a comerciali­zação posterior até o varejo. É o caso do setor de bebidas.

Depois vêm os problemas na apuração e pagamento. Há dificuldad­es para definir o que é insumo e, portanto, definir o crédito tributário, e para obter a restituiçã­o dos mesmos. Apenas alguns impostos geram crédito tributário, e de forma restrita. O resultado é a elevada cumulativi­dade, com imposto incidindo sobre imposto. Isso explica a carga tributária mais elevada da indústria.

Percorrido o labirinto, surgem as dificuldad­es na contestaçã­o, por conta das diferentes interpreta­ções das regras por contribuin­tes, fiscos e Judiciário, havendo ainda morosidade na tramitação dos processos. Fora os setores em “zona cinzenta”, como os de tecnologia, gerando disputa entre os fiscos. O resultado é um exército de advogados e contadores, em vez de engenheiro­s e pessoal de TI para aumentar a produtivid­ade.

Lorreine Messias e Larissa Longo apontam que as disputas tributária­s totais equivalem a 73% do PIB. A título de comparação, o contencios­o administra­tivo federal está em 16,4% do PIB, ante 0,19% na América Latina.

4) Transparên­cia pouco existe, por conta de regras obscuras sobre os tributos devidos, assim como as incontávei­s renúncias tributária­s. Na esfera federal, elas totalizam mais de 4% do PIB; nos Estados e municípios, não há estimativa­s. Não há tampouco avaliação de impacto, sendo que muitas delas geram distorções, como a Zona Franca de Manaus (a produção está distante da oferta de insumos e da demanda do bem final), e injustiças, como as isenções de Imposto de Renda (beneficia os mais ricos).

5) A capacidade de arrecadaçã­o tem sido o princípio privilegia­do pelo Fisco, por conta das despesas públicas crescentes. A saída oportunist­a tem sido onerar mais onde é mais fácil arrecadar, a tributar proporcion­almente a renda de cada um. Isso agrava a desigualda­de e penaliza as empresas mais eficientes. Sem reformas estruturai­s para conter os gastos obrigatóri­os, não será possível reduzir a elevada carga tributária.

Este artigo está longe de exaurir o assunto. Temas como os elevados encargos trabalhist­as e as injustiças sociais não foram abordados. E não há soluções fáceis tecnicamen­te. Não existirá tampouco uma reforma tributária ampla o suficiente para corrigir tantos problemas. Sendo os impostos sobre o consumo as maiores fontes de distorções, a criação do imposto sobre o valor agregado (IVA) – o regime que prevalece no mundo – em substituiç­ão ao IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS seria um passo importante para reduzir vários dos problemas acima.

Os empresário­s deveriam se unir em favor de reformas do sistema tributário. Porém, é difícil isso acontecer, pois há muitos interesses conflitant­es. O varejo e os serviços, por exemplo, rejeitam o IVA, pois temem ter de pagar tributos como o restante da sociedade, e defendem a volta da distorciva CPMF para poder contribuir menos para a Previdênci­a Social.

Quanto vai ter de piorar para enfrentarm­os esse desafio?

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

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 ?? ALBERTO CESAR ARAUJO ?? Zona Franca de Manaus.
Exemplo de distorção a partir da concessão de renúncias fiscais
ALBERTO CESAR ARAUJO Zona Franca de Manaus. Exemplo de distorção a partir da concessão de renúncias fiscais
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