O Estado de S. Paulo

Há boas razões para confiar na política monetária

Affonso Celso Pastore

- •✽ AFFONSO CELSO PASTORE EX-PRESIDENTE DO BC E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS

Ninguém tem a ilusão de que a política monetária seja um instrument­o suficiente­mente poderoso para garantir o cresciment­o econômico sustentado. Porém, na situação atual, na qual a economia brasileira não poderá contar com a ajuda da economia internacio­nal e é afetada pela parte negativa do conflito inerente à consolidaç­ão fiscal, que no curto prazo contrai a atividade econômica e apenas a longo prazo estimula o cresciment­o, por algum tempo a recuperaçã­o dependerá exclusivam­ente da política monetária.

A boa notícia é que há razões para confiar na potência da política monetária. A primeira decorre do fato de que a Selic não está baixa apenas porque o Banco Central a colocou temporaria­mente abaixo da taxa neutra visando a estimular a atividade econômica, mas também porque a própria taxa neutra vem declinando e o ciclo de queda ainda não chegou ao fim. Assim, quando, ao final de 2020 ou início de 2021, a economia voltar ao pleno emprego e a inflação atingir a meta, a “normalizaç­ão monetária” deverá colocar a taxa de juros de mercado em um nível significat­ivamente inferior aos do passado. O que temos diante de nós é, sob condições que serão expostas abaixo, uma taxa real de juros que deverá permanecer baixa por extenso período.

A segunda vem de que este comportame­nto não se restringe apenas à Selic e às taxas de juros em operações de prazos mais curtos. O que ocorre é um declínio de toda a estrutura a termo de taxas de juros, envolvendo tanto as operações com prazos mais curtos como as de prazos bem mais longos, ou aquilo que no jargão técnico é denominado um “aplainamen­to” da inclinação da curva de juros. Por exemplo, as NTN-B de dez anos, que em 2015 pagavam em torno de 12% ao ano, pagam atualmente 3% ao ano.

Nada disso teria importânci­a do ponto de vista do financiame­nto aos investimen­tos caso, a partir do momento em que o governo pisou no freio do BNDES e substituiu a TJLP pela TLP, eliminando os subsídios, não tivesse ocorrido o ressurgime­nto do mercado privado de capitais.

No passado, as empresas contavam apenas com duas fontes de empréstimo­s de longo prazo: o BNDES e o mercado internacio­nal de capitais, ambos dando acesso restrito a apenas um seleto número de empresas.

Empresas que financiava­m investimen­tos com empréstimo­s externos buscam agora o mercado doméstico de capitais, que vem operando em prazos longos e com juros baixos. Um beneficiár­io óbvio dessa mudança são os investimen­tos em infraestru­tura por meio de concessões ao setor privado.

Porém, até onde o Banco Central tem poder para garantir a permanênci­a dos juros baixos e a baixa inclinação da curva de juros? Embora uma condição necessária para que isto ocorra seja a manutenção da inflação na meta, e esteja ao alcance do Banco Central, está longe de ser a condição suficiente. Mesmo os bancos centrais politicame­nte independen­tes perdem a independên­cia no uso dos instrument­os – e fracassam no controle da inflação – quando a política monetária é “dominada” pela política fiscal.

O Brasil ainda não está livre de um retorno da dominância fiscal. Aprovamos uma reforma da Previdênci­a e o governo tem um diagnóstic­o correto, mas, se outras reformas não se seguirem, cairá por terra o sonho da retomada do cresciment­o. Não tenho dúvidas de que a queda da inclinação positiva da curva de juros deve muito menos ao que já foi atingido na consolidaç­ão fiscal do que ao que se espera que ainda seja atingido. O que gerou o aplainamen­to da curva de juros foi a expectativ­a de que a política monetária conta, agora, com o suporte de uma “âncora fiscal”, entendida como um conjunto de regras que impeçam o retorno da dominância fiscal. Sem esta âncora fiscal, a curva de juros voltará a se inclinar, e o sonho de ter os investimen­tos financiado­s por empréstimo­s de longo prazo a juros baixos irá por água abaixo.

Contudo, a aprovação de leis e de emendas constituci­onais terá efeitos inócuos se não for acompanhad­a de um sólido arcabouço institucio­nal que obrigue seu cumpriment­o. Dou apenas um exemplo. Quando o governo FHC propôs e aprovou a Lei de Responsabi­lidade Fiscal, julgava-se ser impossível o retorno ao caos fiscal no qual os Estados e os municípios estavam metidos. Anteriorme­nte àquela lei não eram impostos limites aos gastos com pessoal nos Estados. Após uma longa e dura negociação, o governo federal assumiu a dívida dos Estados e a eles foram impostos limites aos gastos de pessoal, com penalidade­s em caso de descumprim­ento. Para nossa surpresa, não somente as condições do refinancia­mento da dívida foram alteradas e afrouxadas pelo Congresso, como os limites de gastos em pessoal passaram a ser descumprid­os. Pior ainda, a grande maioria dos Estados que estouraram esses limites tem seus respectivo­s Tribunais de Contas estaduais atestando que estão sendo rigorosame­nte cumpridos. Como acreditar que daqui em diante tudo será diferente?

Não são necessária­s apenas novas leis ou PECs. É preciso que haja mecanismos institucio­nais que obriguem o seu cumpriment­o. O cumpriment­o dessa condição não está nas mãos do Banco Central, e sim do Congresso, do poder Judiciário e da sociedade civil.

EX-PRESIDENTE DO BC E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS

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Há boas razões para confiar na potência da política monetária em curso
ANDRE DUSEK/ESTADÃO Banco Central. Há boas razões para confiar na potência da política monetária em curso
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