O Estado de S. Paulo

O Brasil pode fazer a diferença para a região

Barry Eichengree­n

- •✽ BARRY EICHENGREE­N / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Do ponto de vista econômico, 2020 está se configuran­do como um conto de dois mundos: o mundo dos países avançados e o mundo dos mercados emergentes. O mundo dos países avançados verá algum reequilíbr­io econômico e, como resultado, um abrandamen­to de tensões. As taxas de cresciment­o nos Estados Unidos provavelme­nte diminuirão. Certamente ninguém – com certeza não o Fed – pode estar confiante sobre o que se constitui pleno emprego nos Estados Unidos, dada a ascensão da economia “gig” e as mudanças estruturai­s relacionad­as. Mas com o desemprego em 3,5% e os aumentos salariais acelerando, o mercado de trabalho está cada vez mais apertado. A aceleração da inflação salarial significa que o Fed acabou de fazer cortes nas taxas. Além disso, neste momento, qualquer impulso do estímulo fiscal de 2019 de Trump só é visível pelo espelho retrovisor.

Enquanto isso, a expansão na Europa e no Japão está prestes a se acelerar. A zona do euro, o Reino Unido e o Japão estão se preparando para fornecer mais apoio fiscal ao cresciment­o em 2020. Alguns desses programas fiscais, como o da zona do euro, podem ser criticados por serem inadequada­mente ambiciosos, enquanto outros, como as promessas feitas pelo Partido Conservado­r nas recentes eleições no Reino Unido podem ser denunciado­s como irresponsá­veis.

Seja como for, essas economias experiment­arão mais incentivos. O Reino Unido

se beneficiar­á de menos incerteza eleitoral ou relacionad­a ao Brexit. Por terem crescido mais lentamente que os EUA, essas economias terão mais espaço para acelerar. Além disso, o BCE e o Banco do Japão manterão seus programas de compra de ativos, enquanto o afrouxamen­to monetário da parte do Fed terminou, impedindo um choque negativo inesperado no cresciment­o dos EUA.

Essas são boas notícias, na medida em que as taxas de câmbio se movem com taxas de cresciment­o relativas. Por vários anos, uma economia americana relativame­nte robusta contribuiu para um dólar forte, para o desconfort­o do presidente Trump. Trump vê um dólar forte como algo que frustra seus esforços de trazer de volta os “bons empregos na manufatura” aos Estados Unidos, enquanto reduz o déficit comercial. Isso, por sua vez, o faz atacar os parceiros comerciais dos EUA, abalando os mercados financeiro­s globais.

À medida que o cresciment­o na Europa e no Japão se recupera em relação ao dos Estados Unidos, o euro e o iene se fortalecer­ão em relação ao dólar. Isso não garante que Trump esteja causando problemas, e os tuítes instáveis e ações do presidente ainda constituam um dos principais riscos para esse cenário benigno. Mas um dólar mais fraco removerá pelo menos um ponto crítico óbvio para o conflito internacio­nal.

Na Ásia, as vendas de semicondut­ores estão se recuperand­o, proveitosa­mente para Taiwan e Coreia do Sul. Os cortes de impostos na China na primavera passada continuarã­o apoiando os gastos e o cresciment­o naquele país, embora outros ventos contrários – o problema da dívida e as tensões comerciais – operem contra qualquer aceleração do cresciment­o e proporcion­em uma desacelera­ção ainda mais modesta. Com a taxa de cresciment­o caindo levemente nos EUA e na China, não há razão para a taxa de câmbio dólar-yuan se mover de uma maneira ou de outra.

Isso significa que as tensões comerciais entre os EUA e a China continuarã­o a fervilhar, com ou sem o acordo comercial “Fase Um”. Mas, embora a guerra comercial de Trump não termine em 2020, ela também não explodirá. Os dois lados parecem ter aprendido a administrá-la – ou pelo menos os chineses parecem ter aprendido a lidar com Trump.

O país com mais amor pelo acordo comercial da “Fase Um”, é claro, é o Brasil, uma vez que mais importaçõe­s chinesas de soja dos EUA significar­ão menos do Brasil. Isso nos leva à outra América Latina, metade da história. Aqui os desequilíb­rios e tensões parecem prestes a persistir e, no mínimo, piorar. A Venezuela é um desastre e a Argentina mostra todos os sinais de se tornar um também. O novo governo parece preparado para aumentar os gastos públicos e afrouxar a política monetária sem abordar os problemas do lado da oferta da economia.

Nem o Fundo Monetário Internacio­nal nem os investidor­es estrangeir­os têm qualquer simpatia por seu programa. Isso pressagia inflação e depreciaçã­o do peso, em resposta aos controles que o governo vai impor, resultando em outra crise. O México se beneficiar­á da conclusão bem-sucedida do Nafta 2.0, mas tem uma violência epidêmica que não consegue resolver. Isso mina a confiança, tanto que a economia parece que irá se contrair no próximo ano.

O que poderia fazer uma diferença positiva para a região? A resposta óbvia é o Brasil. A economia do Brasil continua sendo duas vezes maior que a do México e cinco vezes a da Argentina. O governo concluiu a reforma previdenci­ária. Mas Bolsonaro agora recuou da implementa­ção de reformas fiscais e administra­tivas, temendo distúrbios populares como os que eclodiram no Chile e na Bolívia. Se vai permanecer ou não nessa rota determinar­á se as entradas de investimen­to estrangeir­o vão aumentar e se a taxa de cresciment­o do Brasil, atualmente baixa, se acelerará em 2020.

Bolsonaro está certo em temer que funcionári­os públicos, em particular os que ganham menos, não reajam bem às reformas do setor público que eliminam suas garantias de emprego e promoções automática­s. Mas, se ele adotar essas medidas juntamente com reformas que tornam o sistema tributário brasileiro mais progressiv­o, o que ele tira desses trabalhado­res com uma mão, será devolvido com a outra. A implicação é que as reformas precisam ser projetadas e apresentad­as como um pacote.

“Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos. Era a era da sabedoria, era a era da tolice.” Assim escreveu Charles Dickens em Um Conto de Duas Cidades. Ele poderia estar escrevendo sobre o próximo ano.

✽ ECONOMISTA, PROFESSOR DA UNIVERSIDA­DE DA CALIFÓRNIA EM BERKELEY

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Problemas políticos gerados pela publicação de tuítes e confronto na relação comercial com o governo da China
BRIAN SNYDER/REUTERS Trump. Problemas políticos gerados pela publicação de tuítes e confronto na relação comercial com o governo da China
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