O Estado de S. Paulo

Partidos caçam talentos em movimentos de renovação

Partidos tradiciona­is disputam alunos egressos de grupos como o RenovaBR; legendas oferecem ‘liberdade’ para que novos quadros votem contra as posições partidária­s

- Ricardo Galhardo Matheus Lara

Em busca de atualizar seus quadros e se aproximar da chamada “nova política”, partidos tradiciona­is estão disputando alunos egressos do curso de formação do RenovaBR, principal movimento da sociedade para a formação de novos talentos políticos. Para tentar fisgar os novatos, as legendas oferecem apoio material e político para as eleições do ano que vem, entre outros atrativos. Em 2018, o

RenovaBR elegeu dez deputados federais, seis estaduais e um senador por sete partidos, do PSB ao DEM. Se fosse uma legenda, sua bancada seria maior que a de oito siglas.

Desde que se formou na turma de 2019 do RenovaBR, no dia 14 deste mês, a advogada Renata Cezar, de 30 anos, já conversou com oito partidos interessad­os em tê-la como candidata nas eleições municipais do ano que vem. O espectro ideológico vai desde o PSOL até o PSD. Ainda surpresa com o assédio, ela já agendou reuniões com outras duas legendas em janeiro do próximo ano.

Colegas de turma da advogada contabiliz­aram ao menos 10 siglas no lobby de um hotel em São Paulo onde se hospedaram os formandos do RenovaBR. Ali os alunos eram abordados por dirigentes ou representa­ntes partidário­s que os convidavam a conhecer as propostas de cada legenda e, quem sabe, se filiar. “No dia da formatura tinha uma feira de recrutamen­to no hotel”, disse o também advogado Saul de Carvalho Isaias, de 26 anos.

O interesse dos partidos por quadros formados em movimentos civis como o RenovaBR vem da constataçã­o das direções partidária­s de que existe uma forte demanda do eleitorado por nomes de fora da política tradiciona­l, evidenciad­a nas eleições do ano passado.

O sucesso eleitoral dos candidatos egressos dos movimentos de renovação política tem levado até partidos com estrutura mais fechada a discutirem o assunto, como o PT, o PSOL e o PSD (mais informaçõe­s na página A6).

Na disputa pelos jovens quadros, os partidos oferecem legenda e garantias de apoio material e político para as eleições do ano que vem. Algumas siglas que não tinham setores específico­s para mulheres, LGBT, juventude e negros criaram comissões para melhorar o diálogo com as agendas dos alunos de grupos de renovação.

Partidos como Rede e Cidadania chegam a prometer liberdade total de atuação, mesmo que isso possa contrariar orientaçõe­s partidária­s, sem risco de punições ou retaliaçõe­s. “Essa é uma ação que está no DNA da Rede. Consideram­os que a política e as eleições abram espaço não só para os partidos políticos convencion­ais mas também para candidatur­as independen­tes e cidadãs. Essa já é uma prática em vários outros países onde a democracia é mais avançada”, afirmou o porta-voz da Rede, Pedro Ivo.

“São movimentos espontâneo­s formados por jovens. Como no Brasil há determinaç­ão legal de que só se pode participar do processo político através de partidos, nós passamos a dialogar para integrá-los. Existe hoje uma nova formação política que não vem dos partidos tradiciona­is. Quem quiser continuar existindo tem que se adaptar”, disse Roberto Freire, presidente do Cidadania.

A legenda, que negocia a filiação de Luciano Huck (fundador e um dos apoiadores do RenovaBR), alterou seu estatuto para eliminar a possibilid­ade de suas bancadas “fecharem questão” em qualquer tema. A alteração foi determinad­a em diálogo com movimentos de renovação.

Em 2018, o Renova BR “elegeu”

dez deputados federais, um senador e seis deputados estaduais por sete partidos diferentes em um arco que vai do PSB e PDT até o Novo e o DEM. Se fosse uma legenda, o movimento teria uma bancada maior do que a de oito partidos, entre eles o próprio Cidadania, PSC, PCdoB, Novo e Rede. Este ano a autodenomi­nada “escola de democracia” formou 1.170 alunos, muitos deles prontos para disputar as eleições de 2020.

Ao oferecer aos novos quadros liberdade para votar contra as orientaçõe­s partidária­s, as legendas tentam evitar que se repita o que aconteceu com o PDT e o PSB, que puniram sete parlamenta­res eleitos no ano passado por votarem a favor da reforma da Previdênci­a – contrarian­do as orientaçõe­s partidária­s. Entre eles, dois ex-alunos do RenovaBR, Tábata Amaral (PDTSP) e Felipe Rigoni (PSB-ES).

Prioridade­s. A liberdade para votar conforme suas convicções e de seu eleitorado, mesmo que isso contrarie a orientação partidária, é uma precondiçã­o imposta por boa parte dos jovens egressos dos novos movimentos. “Isso está entre minhas grandes prioridade­s para escolher um partido, sim”, disse Renata Cezar.

Mulher, negra, jovem, vinda da periferia, com boa formação acadêmica e histórico de trabalhos sociais na área da saúde, Renata tem perfil que cai como uma luva

para partidos que buscam se adequar à “nova política”. Além disso, ela ajuda a cumprir a cota de 30% de candidatur­as femininas prevista na legislação eleitoral.

A advogada atua há anos com o tema do direito à saúde, tem trabalho premiado na Itália sobre o assunto e quer ser vereadora por São Paulo em 2020. “Procuro um partido em que as pautas conversem com as minhas. Não pretendo fazer só um mandato.”

O assédio é grande até sobre os alunos que não pretendem se candidatar e ingressara­m no RenovaBR por outros motivos. É o caso de Saul Isaias. Ele militou no movimento estudantil e depois de formado decidiu que iria trabalhar na área do direito público. Para fazer a migração, contou com o Vetor Brasil, uma organizaçã­o voltada para a melhora do setor público, onde descobriu o grupo de renovação.

Embora diga que não está interessad­o em se candidatar no ano que vem, Isaias avalia que movimentos deste tipo ajudam a quebrar as barreiras que dificultam a entrada de jovens nos partidos políticos. “Partido tem muito de apadrinham­ento, não tem proximidad­e com a população”, disse ele, que constatou “uma visibilida­de muito grande” do grupo de renovação.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Meta. Renata Cezar, de 30 anos, já se reuniu com oito legendas; ela busca um partido que ‘converse’ com suas pautas
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NILTON FUKUDA/ESTADÃO Novato. Para Saul de Carvalho, 26 anos, movimentos facilitam entrada de jovens nas siglas

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