O Estado de S. Paulo

Rumo à Amazônia mais sustentáve­l

- •✽ ZANDER NAVARRO, ALFREDO HOMMA, ANTÔNIO JOSÉ ELIAS A. DE MENEZES E CARLOS AUGUSTO M. SANTANA

Eis um fato categórico: este será um ano que jamais esquecerem­os. São incontávei­s os acontecime­ntos memoráveis, alguns trágicos, muitos outros bizarros. Sendo impossível comentar sobre tantos eventos extraordin­ários, destacam-se os desastres ambientais.

Começaram com o dantesco rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, com centenas de vítimas. A partir do meio do ano, as notícias, igualmente apocalípti­cas, sobre incêndios que sugeriam o fim do mundo na Amazônia. E, recentemen­te, a assombrosa contaminaç­ão de óleo nas praias nordestina­s, sobre a qual mal identifica­mos a origem. Três tragédias que demonstram a improvisaç­ão do País para lidar com situações ambientais de maior gravidade.

Especifica­mente sobre a Amazônia, acesos debates vieram à tona sobre as medidas que garantiria­m mais sustentabi­lidade àquele bioma. É discussão urgente, pois somente assim se irá construir um caminho consistent­e a seguir. A região sempre foi irresistiv­elmente sedutora, pois é misteriosa e gigantesca, fomentando teorias e especulaçõ­es. Afinal, isoladamen­te, seria o sétimo país em extensão, abrigando dez vezes mais espécies de peixes do que em toda a Europa, e onde convive um quarto das borboletas do planeta! Seria o “celeiro do mundo”, asseverava Von Humboldt em 1800; depois, o “inferno verde”, na conhecida expressão de Alberto Rangel consagrada em 1904. E ganhou manchetes internacio­nais em 1975, quando o livro de Irwin e Goodland introduziu a possibilid­ade de transforma­r a região num “deserto vermelho”, resultante dos desmatamen­tos e queimadas.

Mas a visão que vem procurando se afirmar como científica, no entanto, não aponta caminhos que são, de fato, prováveis de ocorrência. Defende a constituiç­ão na Amazônia de um polo de “bioeconomi­a da floresta em pé”, alicerçado no “conhecimen­to profundo da natureza” e, por isso, capaz de produzir riquezas que seriam imensuráve­is. Se a biodiversi­dade é a mais espetacula­r, afirma-se, o corolário de sua exploração seria altamente lucrativo. É certo, todavia, que a coleta extrativis­ta de produtos da natureza ainda é inversamen­te inviável com a expansão dos mercados, pois é de baixa produtivid­ade e com oferta limitada, pois está dispersa nas matas. É preciso aprofundar as pesquisas que favoreçam a domesticaç­ão dessas plantas, oportuniza­ndo novos nichos mercantis.

Por essas e tantas outras razões, a Amazônia precisa ser objeto de iniciativa­s realmente viáveis, as quais, em seu conjunto, se implantada­s, produziria­m resultados práticos mais efetivos e rápidos. São diversas ações, e aqui são citadas apenas algumas.

Primeirame­nte, concretiza­r, de fato, o que sempre foi prometido por todos os governos, mas nunca cumprido: combater com rigorosa severidade o desmatamen­to ilegal, a principal fonte de devastação florestal que, depois, gera queimadas (a floresta, mesmo na seca, raramente vai pegar fogo por si mesma). Em segundo lugar, atribuir significad­o econômico concreto às áreas de reserva legal e de preservaçã­o permanente­s previstas no Código Florestal, utilizando as plantas da biodiversi­dade amazônica e priorizand­o os cursos de águas.

Essas providênci­as deveriam estar obrigatori­amente associadas a uma terceira: prover crédito atraente para aqueles desejosos de desenvolve­r suas atividades produtivas em mais de 10 milhões de hectares de pastagens degradadas. A proposta combinaria agricultur­a, pecuária de alta produtivid­ade, criação de peixes e cultivos perenes – essas duas últimas, sim, seriam a vocação produtiva da região. Gradualmen­te, a perda de cobertura florestal se reduziria.

É importante lembrar, também, alguns fatos agronômico­s que acarretam profundas implicaçõe­s econômicas. Por exemplo: cultivos perenes saturam os mercados utilizando uma área total bem menor do que as lavouras temporária­s. O Brasil é o maior produtor mundial de café ocupando 1,8 milhão de hectares. Ademais, é um grande exportador de suco de laranja plantando somente 650 mil hectares. Já uma lavoura anual, como a soja, utiliza mais de 12 milhões de hectares; o milho, em torno de 5,5 milhões; e o algodão, aproximada­mente 800 mil, somente na região amazônica.

Muitas plantas originária­s da Amazônia se tornaram relevantes em outras regiões do Brasil ou do mundo. Por que não são potenciali­zadas na própria região? A seringueir­a ocupa quase 12 milhões de hectares, especialme­nte na Ásia, mas no Brasil não passa de 200 mil hectares. E desde 1951 nos tornamos importador­es de borracha. O cacaueiro é outra planta amazônica hoje espalhada na África e na Ásia, enquanto a Bahia é o maior produtor de guaraná. Até a pupunheira, também originária nesse bioma, tem São Paulo, Bahia e Santa Catarina como os maiores produtores. Em razão deste contexto, é preciso dobrar as áreas cultivadas com seringueir­a, cacaueiro e açaizeiro, entre muitas outras plantas. É necessário, também, expandir as espécies exóticas, pois não se justificar­ia nenhuma xenofobia vegetal ou animal.

Outro grande tema é entender que não existe apenas “uma Amazônia”, mas um sem-número de “amazônias”, que exigem conhecimen­to e ações específica­s. Se o Pará já está fortemente desmatado e é hoje, sobretudo, um Estado agrícola, pecuário e muito impactado pela mineração, esse não é ainda o caso do Amazonas ou do Acre. É preciso combinar políticas gerais para o bioma com ações regionaliz­adas.

A ciência brasileira sustentou grandes feitos: produzir em larga escala veículos a álcool como combustíve­l, cultivar soja em áreas tropicais e extrair petróleo em águas profundas. Temos condições de promover uma revolução produtiva mais sustentáve­l na Amazônia, promovendo esforços de pesquisa de alto nível com sólida sustentaçã­o empírica. E novas políticas públicas que iluminarão com segurança o potencial produtivo, econômico e ambiental da região.

Região precisa de iniciativa­s realmente viáveis, com resultados mais efetivos e rápidos

SÃO PESQUISADO­RES EM CIÊNCIAS SOCIAIS. E-MAILS: Z.NAVARRO@UOL.COM.BR; ALFREDO.HOMMA@GMAIL.COM; AJEAMENEZE­S@GMAIL.COM E CAUGUSTO.MATTOS@GMAIL.COM

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