O Estado de S. Paulo

Os juízes e as redes sociais

-

Criado em maio, duas semanas depois de o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, ter mandado tirar do ar reportagen­s de uma revista digital e de um site noticioso, sob a justificat­iva de que macularam a “honorabili­dade” da Corte, o grupo encarregad­o de “avaliar parâmetros para o uso adequado das redes sociais por magistrado­s” finalmente teve seu trabalho aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em sua última sessão ordinária de 2019.

Por meio de uma resolução, o órgão cobrou dos juízes “postura seletiva e criteriosa para ingresso em redes”, como Facebook, Twitter e Instagram. Também os proibiu de emitir opiniões político-partidária­s. E ainda estabelece­u normas regulando as manifestaç­ões públicas dos magistrado­s, para preservar “a idoneidade, a dignidade, a honra e o decoro” da corporação e evitar que determinad­as declaraçõe­s de seus membros comprometa­m a imagem de independên­cia, isenção e imparciali­dade do Poder Judiciário.

Uma dessas normas proíbe os magistrado­s de fazer autopromoç­ão, emitir opiniões sobre processos pendentes de julgamento e fazer “juízos depreciati­vos” sobre despachos, votos e sentenças. Também veda o compartilh­amento de discursos discrimina­tórios, “especialme­nte os que revelem racismo, misoginia, antissemit­ismo e intolerânc­ia religiosa ou ideológica”. E dá o prazo de seis meses para que os juízes que mantêm páginas nas redes sociais se adaptem à resolução, sob pena de sofrer sanções que vão da censura funcional ao afastament­o do cargo e até a aposentado­ria compulsóri­a.

Segundo o CNJ, por mais que a manifestaç­ão de pensamento e a liberdade de expressão sejam direitos fundamenta­is assegurado­s pela Constituiç­ão a todos os cidadãos, eles não são direitos absolutos. Por isso, os juízes têm de ser prudentes e responsáve­is em suas declaraçõe­s. Era preciso equilibrar a liberdade de expressão dos magistrado­s com suas obrigações funcionais, diz a resolução.

A preocupaçã­o de Toffoli, para quem o mau uso das redes sociais pode ser “o ovo da serpente da criação de uma desestabil­ização institucio­nal”, não é recente. O problema começou dois anos antes de sua ascensão à presidênci­a do Supremo, quando quatro juízes criticaram de modo contundent­e o processo de impeachmen­t da então presidente Dilma Rousseff, em ato público realizado no Rio de Janeiro. Apesar de terem alegado que expressara­m opiniões pessoais com base na liberdade de pensamento assegurada pela Constituiç­ão, eles respondera­m a processo disciplina­r no CNJ.

Em 2018, quando a campanha presidenci­al estava começando, o CNJ baixou provimento definindo o que os juízes poderiam e não poderiam falar durante os debates eleitorais. Meses depois, o órgão abriu mais um processo disciplina­r, agora para apurar a conduta de um juiz eleitoral que afirmou, pelas redes sociais, que o ministro Gilmar Mendes, da mais alta Corte do País, teria recebido dinheiro para soltar o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho e retirar a tornozelei­ra eletrônica de sua mulher, a ex-governador­a Rosinha Garotinho.

No final de março de 2019, quando anunciou a criação de um grupo de trabalho para definir os “parâmetros para o uso das redes sociais por magistrado­s”, Toffoli também comunicou a abertura de um inquérito criminal para apurar ofensas de magistrado­s dirigidas à Corte por meio da internet. “Se quiserem fazer política, que saiam da corporação e sejam candidatos para poder atuar no Parlamento. Nós temos de nos resguardar, de nos preservar, senão perderemos nossa autoridade. Simples Assim”, disse ele, depois de lembrar que tanto órgãos públicos como empresas privadas têm suas regras de conduta.

Como era de esperar, as associaçõe­s de juízes criticaram a resolução e anunciaram que questionar­ão sua constituci­onalidade. Independen­temente das críticas e ameaças, a iniciativa do CNJ é oportuna e a resolução que baixou prima pelo bom senso, pela ponderação e pelo equilíbrio.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil