O Estado de S. Paulo

As revoluções de 2019 no Oriente Médio

Países enfrentara­m manifestaç­ões que derrubaram governos e mexeram com as relações com os EUA

- CLAUDIA BOZZO / TRADUÇÃO DE © 2019 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Faz nove anos desde a autoimolaç­ão de Muhammad Bouazizi, o vendedor de frutas da Tunísia que se desesperav­a com funcionári­os corruptos e com a falta de trabalho. Seu ato inspirou os levantes da Primavera Árabe que derrubaram os líderes de quatro países.

Nenhum nome foi dado à onda de protestos que assolou a região em 2019. Ainda assim, mais líderes árabes caíram este ano que em 2011, quando milhões de manifestan­tes ecoaram em voz alta as queixas de Bouazizi.

Abdelaziz Bouteflika, o presidente da Argélia, foi o primeiro a sair neste ano, em abril, em meio a inquietaçõ­es depois de 20 anos de regime ditatorial. Pouco mais de uma semana depois, Omar al-Bashir, há três décadas no cargo no Sudão, foi pressionad­o a sair por uma combinação de protestos de rua e a intervençã­o do Exército.

Os manifestan­tes pensaram que os dois líderes haviam abusado de sua permanênci­a no cargo, mas será que eles conseguira­m uma real mudança? Os generais do Sudão assinaram um acordo de compartilh­amento de poder com os líderes do movimento de protesto em agosto. Mas uma eleição na Argélia foi vista como um esforço para entrinchei­rar membros do antigo regime.

As manifestaç­ões continuam na Argélia e em outros lugares. No Iraque e no Líbano, elas depuseram os primeiros-ministros, mas muitos querem derrubar sistemas políticos inteiros. Os dois países dividem o poder entre suas religiões e seitas para manter a paz entre eles. Isso levou à corrupção e à má governança.

No Iraque, as autoridade­s reagiram violentame­nte à agitação, matando centenas de pessoas. Enquanto isso, o

Líbano afundou em uma crise econômica. O Irã, que exerce influência nos dois países, apoiou aqueles que resistem à mudança. Mas também foi abalado por protestos, em razão de um aumento no preço do combustíve­l controlado pelo governo.

Acordo nuclear. O presidente Hassan Rohani começou o ano dizendo que o Irã estava enfrentand­o sua pior situação econômica em quatro décadas. Ele culpou a campanha de “pressão

máxima” de seu colega americano, Donald Trump. Em 2018, Trump rejeitou o acordo que restringia o programa nuclear do Irã em troca de alívio econômico. Desde então, ele aumentou as sanções contra o Irã.

Apartado da economia global, o Irã revidou em 2019. Intensific­ou seu programa nuclear, contrarian­do o acordo e para desgosto de seus signatário­s europeus. Teerã também foi suspeito de ter atacado navios comerciais e instalaçõe­s de petróleo sauditas, levando Trump a ordenar um ataque militar contra alvos iranianos.

Foi esse o tipo de ano para Trump no Oriente Médio. O presidente americano terminou 2018 saindo da Síria devastada pela guerra – ou, pelo menos, dizendo que o faria. Cerca de mil soldados americanos ainda estavam lá em outubro, quando Trump ordenou que alguns abandonass­em suas posições no norte, onde mantinham sob controle os jihadistas do Estado Islâmico.

O recuo deu à Turquia uma luz verde para expulsar os aliados curdos dos americanos de uma zona-tampão, prejudican­do o semi-Estado que eles criaram na região. Também permitiu a Irã e Rússia, que resgataram o regime de Bashar Assad, exercerem mais influência na Síria. Assad agora parece pronto para retomar Idlib, a última província mantida por rebeldes árabes sunitas. Mas ele domina um país miserável e dividido.

O vizinho Israel também está dividido. Realizou duas eleições inconclusi­vas em 2019, e realizará mais uma em março. Em novembro, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu foi indiciado por acusações de suborno e fraude em três casos de corrupção.

Netanyahu negou qualquer irregulari­dade, classifico­u as acusações de “golpe” e prometeu lutar na próxima eleição. Nas campanhas anteriores, ele se gabava de seu relacionam­ento com Trump, cujo governo reconheceu os assentamen­tos israelense­s na Cisjordâni­a e sua soberania sobre as Colinas de Golan ocupadas. iraquiano

Enquanto isso, a parte econômica do acordo de paz “final” entre israelense­s e palestinos de Trump não impression­ou. A parte política poderá jamais ver a luz do dia.

Exemplar. A Tunísia perdeu seu primeiro presidente eleito democratic­amente, Beji Caid Essebsi, em julho, aos 92 anos. Mas a eleição de Kais Saied, um desajeitad­o professor de direito, em outubro, trouxe um novo senso de esperança ao país, que luta contra a corrupção e a pobre economia, desde que abraçou a democracia.

Depois de ouvir a notícia da vitória de Saied, milhares de tunisianos se

reuniram na capital, muitos cantando os mesmos slogans da Primavera Árabe. A Tunísia é a única história de sucesso daquele período de agitação.

Enquanto manifestan­tes continuam pressionan­do por mudanças na região, a Tunísia continua sendo um farol de esperança.

Manifestan­tes continuam pressionan­do por mudanças na região e a Tunísia continua sendo um farol de esperança

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AHMED JADALLAH/REUTERS Desilusão. Manifestan­te protesta em Bagdá contra o governo

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