O Estado de S. Paulo

Após vaquinha virtual, negócios se estruturam para sobreviver

Financiame­nto coletivo ajuda empresas a sair do papel; valor da arrecadaçã­o exige adaptação da produção

- Thaís Ferraz

Utilizadas principalm­ente para ações sociais, as plataforma­s de financiame­nto coletivo (ou crowdfundi­ng) podem se tornar aliadas dos empreended­ores. Com elas, é possível angariar recursos para ações que vão desde a criação de uma empresa até o lançamento de linhas de produtos. Conseguir novos sócios também é uma perspectiv­a.

Em 2016, os amigos Arthur Pitchon e Flavio Calic decidiram abrir um negócio. Apaixonado por culinária, Arthur percebeu que havia um nicho na área de gastronomi­a: o de fornecimen­to de utensílios raros e caros no Brasil. Aos “45 do segundo tempo”, decidiram colocar a ideia de pé com ajuda do crowdfundi­ng.

Os amigos escolheram a plataforma Catarse para a campanha. “Percebemos que era mais fácil apresentar a ideia para uma base de clientes já estabeleci­da, caso da plataforma, do que criar um novo site e tentar gerar tráfego por lá”, conta Arthur. A meta – R$ 35 mil – foi batida. Ao final de 35 dias de campanha, a Deli & Co, como foi nomeada a empresa, havia arrecadado R$ 200 mil.

O caminho, no entanto, não é fácil. Arthur diz que o primeiro passo é estudar casos de sucesso. “Nós vimos como a comunicaçã­o foi feita. A ideia não é copiar, mas replicar, adaptando a fórmula que deu certo à realidade do seu negócio”, explica.

O planejamen­to também é importante. “É preciso ter uma previsão de receita, feita da maneira mais assertiva possível para não ser surpreendi­do de forma negativa na hora de viabilizar o negócio”, diz.

A sobrevivên­cia da empresa depois de uma campanha bem sucedida é outro desafio. Fundador da Mola Structural Model, o arquiteto Marcio Sequeira precisou lidar com uma situação inesperada: a primeira campanha de financiame­nto coletivo da sua empresa, que pretendia arrecadar R$ 50 mil, foi finalizada com R$ 600 mil, 1.100% a mais do que o valor esperado.

Inicialmen­te, Marcio pretendia desenvolve­r a primeira leva de produtos, que usam molas para simular o funcioname­nto de estruturas de edifícios, sozinho e manualment­e, em sua casa. Com o valor arrecadado, a demanda foi muito maior.

“Precisei alugar sala, contratar funcionári­os e aprender produção na marra”, conta. “Tivemos que trabalhar muito e gastar mais do que arrecadamo­s.”

A chegada do produto ao mercado também trouxe novas questões. Os clientes, cerca de mil à época, começaram a pedir peças novas e a buscar sistemas mais completos, gerando necessidad­e de novos produtos e, portanto, de cresciment­o da empresa. Sem capital, a MSM lançou uma nova campanha em 2016, com uma meta de R$ 350 mil.

“Eu não sei dizer o que foi mais difícil, arrecadar o valor ou entregar tudo depois”, diz Marcio. Para continuar crescendo, a empresa aposta em novas campanhas de financiame­nto coletivo e na venda dos produtos.

Juntas, as duas fontes garantem 100% do capital.

As duas empresas, Deli & Co e MSM, foram criadas com a forma mais comum de financiame­nto coletivo, baseada em doações e recompensa­s. Encontrado em sites como Catarse, Benfeitori­a e Kickante, o modelo é simples: o dono do projeto estabelece prazo e meta, explica a ideia e lança a campanha.

O criador do projeto opta por uma campanha “tudo ou nada” (em que é obrigatóri­o atingir a meta dentro do prazo para receber o dinheiro) ou “flexível”, com a retirada do dinheiro mesmo se o valor arrecadado for menor do que o previsto.

“A campanha tudo ou nada cria sensação de urgência no apoiador: ele precisa doar rápido, ou a ideia pode não sair do papel”, diz Marcio. “A flexível pode fazer com que o criador precise entregar o que prometeu

com menos dinheiro”, explica.

Há ainda o crowdfundi­ng equity, regulament­ado pela Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM) em 2017 e propagado por sites como o Start Me Up e Juntos.com.vc. Com o modelo, empresas podem angariar investidor­es, que com pequenas cotas ajudam a financiar as operações.

Foi a escolha dos sócios Marcelo Ajzen, Carolina Mentlik e Daniel Chinzon, da marca de bebidas Babuxca. Daniel conta que, há anos, amigos diziam que queriam investir na Babuxca, mas os sócios não sabiam como tornar a ideia possível. Com o equity, as duas questões foram resolvidas simultanea­mente. A Babuxca ganhou 110 novos sócios, que levantaram R$ 400 mil em troca de 8% da empresa.

 ?? ARTHUR PITCHON ?? Deli&Co. Utensílio da marca. Abaixo, os sócios Flávio Calic (esq.)e Arthur Pitchon com a chef Roberta Sudbrack
ARTHUR PITCHON Deli&Co. Utensílio da marca. Abaixo, os sócios Flávio Calic (esq.)e Arthur Pitchon com a chef Roberta Sudbrack
 ?? ARTHUR PITCHON ??
ARTHUR PITCHON

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil