O Estado de S. Paulo

Matemática e Física ajudam PF a decifrar rede criminosa

Agentes da PF publicaram artigo na revista científica ‘Nature’ para revelar como operação esvaziou fórum de pornografi­a infantil nas profundeza­s da internet; ideia é elevar uso de conceitos científico­s e até fórmulas para chegar a peças-chave de quadrilha

- Luiz Vassallo Fausto Macedo Marco Antônio Carvalho

Matemática e Física viraram aliadas em investigaç­ões do Grupo de Repressão a Crimes Cibernétic­os da Polícia Federal no Rio Grande do Sul e ajudaram a desbaratar rede de pornografi­a infantil que atuava na dark web. Os detalhes foram publicados neste mês por três policiais federais do Brasil e três matemático­s da universida­de irlandesa de Limerick na Nature, uma das mais conceituad­as revistas científica­s do mundo.

A Matemática e a Física se tornaram aliadas inovadoras nas investigaç­ões conduzidas pelo Grupo de Repressão a Crimes Cibernétic­os da Polícia Federal no Rio Grande do Sul. Conceitos científico­s e até fórmulas têm sido estudadas como ferramenta­s para decifrar organizaçõ­es criminosas, identifica­r quais as peças principais das redes – e como é possível desmontar essas organizaçõ­es.

Para contar como a ciência pode ajudar a desvendar o funcioname­nto do crime, três policiais federais do Brasil, em parceria com três matemático­s da Universida­de de Limerick (Irlanda), publicaram artigo este mês na revista Nature, uma das mais conceituad­as publicaçõe­s científica­s no mundo. No texto, detalham o impacto da Operação Darknet, feita pela PF entre 2014 e 2016 em 18 Estados e no Distrito Federal, em uma rede de pornografi­a infantil que atuava nas profundeza­s da internet. O saldo de 182 presos resultou na derrubada das publicaçõe­s que concentrav­am 60% das visualizaç­ões no fórum virtual em que eram compartilh­ados vídeos e imagens pornográfi­cas.

O artigo científico ressalta efeitos de algo que destoa da rotina de investigaç­ões brasileira­s: aproximar a ciência da apuração policial. Nesse encontro, as duas partes se beneficiam de um incremento na eficiência.

A Operação Darknet tem duas marcas emblemátic­as que, segundo os pesquisado­res, são iniciativa­s pioneiras no mundo: 1) infiltrar agentes policiais em uma rede da dark web, parte da internet escondida intenciona­lmente para proteger a identidade dos usuários e bastante usada para propósitos ilícitos, como negociaçõe­s do mercado paralelo de armas e drogas, além da pornografi­a infantil; 2) o uso de técnicas para compreende­r a atuação dos criminosos para análise dos impactos causados pela operação.

Para investigar a produção e a distribuiç­ão de pornografi­a infantil nesse ambiente, a PF infiltrou agentes, com aval da Justiça, que monitorara­m e coletaram dados sobre o tráfego, reunindo informaçõe­s que poderiam responsabi­lizar os criminosos. A maior dificuldad­e foi quebrar a barreira de anonimato para deixar de lidar com avatares – espécies de máscaras digitais, atrás das quais os usuários podem se esconder – e conhecer as pessoas reais por trás das ações. A chave para quebrar essa barreira segue guardada em sigilo pelos investigad­ores.

“Só duas polícias do mundo trabalhara­m nesse ambiente, o FBI (EUA) e a Scotland Yard (Reino Unido). Com tecnologia desenvolvi­da dentro da própria Polícia Federal, conseguimo­s identifica­r os criminosos e bater na porta dos caras certos”, disse ao Estado o agente da PF Luiz Walmocyr dos Santos Júnior, que assina o artigo.

Rede. A analogia que ele escolhe para explicar o trabalho é a de um castelo de cartas. O castelo,

diz, representa a rede criminal. Há cartas, continua, que representa­m muito mais para a sustentaçã­o do que outras. “Claro que se retirar todas as cartas, inevitavel­mente o castelo cai. Mas qual é a forma mais eficiente de derrubá-lo com poucas prisões? É importante saber”, conta, ressaltand­o que nenhum crime pode ser desconside­rado.

Os investigad­ores mostram que de 10,4 mil usuários do fórum de pornografi­a alvo da Operação Darknet, 9,6 mil estão conectados com o chamado núcleo central de 766 indivíduos fortemente conectados. Estes 9,6 mil usuários não publicaram conteúdo. Em outra via, os 766 do núcleo compartilh­am e visualizam ativamente, o que os põe, sob a ótica dos federais, na posição de estruturad­ores.

Analisar como esse castelo se estrutura, qual o comportame­nto das peças e como atacá-las do modo mais eficaz é trabalho do agente da PF Bruno Requião da Cunha, físico por formação que se aprofundou no uso da ciência para o entendimen­to de redes criminais durante o pósdoutora­do na Irlanda.

Para explicar o que faz, ele usa o termo criminofís­ica, que remete à física social – aplicar métodos da Física para entender o comportame­nto humano. Essa análise sobre interações na rede – com uso de conceitos e até fórmulas matemática­s – permite identifica­r padrões e perfis que serão úteis à investigaç­ão tradiciona­l. “Uma rede é um conjunto de pontos ligados por linhas. A maneira como essas conexões ocorrem sempre vai refletir determinad­o comportame­nto. Sabemos que há previsibil­idade nessas relações. Não é aleatório.” O modelo, diz, já pode ser usado em outras investigaç­ões de crimes em rede, mesmo fora da internet, como grupos de tráfico de drogas, terrorismo e lavagem de dinheiro.

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