O Estado de S. Paulo

Bolsonaro desiste de subsídio para luz de templos

Possibilid­ade de reduzir a conta de luz de templos religiosos foi mais uma ideia que opôs a ala política à equipe econômica do governo

- Mateus Vargas Julia Lindner / BRASÍLIA COLABOROU DANIEL WETERMAN

O presidente Jair Bolsonaro desistiu da ideia de conceder subsídios para a energia elétrica de templos religiosos. O plano foi revelado pelo Estado na sextafeira e uma minuta de projeto estava sendo elaborada, mas havia resistênci­a da área econômica. “O impacto seria mínimo na ponta da linha, mas a política da economia é de não ter mais subsídios”, disse Bolsonaro.

O presidente Jair Bolsonaro desistiu de conceder subsídio na conta de luz para templos religiosos. O recuo ocorreu após o Estado revelar, na semana passada, que o governo preparava um decreto para adotar a medida, a pedido do próprio presidente, mas enfrentava resistênci­as por parte da equipe econômica.

A decisão de Bolsonaro representa uma vitória do ministro da Economia, Paulo Guedes, no cabo de guerra com a ala política do governo. Nos últimos dias, Guedes sofreu algumas derrotas. Defendia, por exemplo, a redução de benefícios concedidos a usuários de energia solar e não queria dar aumento maior para o salário mínimo, que acabou ficando em R$ 1.045. Nos dois casos, o ministro foi obrigado a ceder. Agora, no entanto, conseguiu ganhar uma batalha.

Após se reunir ontem, no Palácio do Planalto, com o deputado Silas Câmara (Republican­os-AM), coordenado­r da Frente Parlamenta­r Evangélica, e com o missionári­o R.R. Soares, líder da Igreja Internacio­nal da Graça de Deus, Bolsonaro disse que estava suspensa a negociação para a concessão do subsídio aos templos.

Na prática, embora o estudo sobre o assunto tratasse de templos de uma forma mais ampla, a articulaçã­o tinha como alvo os evangélico­s. A bancada formada por fiéis de várias denominaçõ­es é hoje a maior apoiadora dos projetos do presidente dentro do Congresso.

Bolsonaro chegou a dizer que havia levado muita “pancada” sem nem mesmo ter assinado um decreto sobre o assunto. Afirmou, ainda, que “seria mínimo” o impacto do subsídio na conta de luz dos templos religiosos. “Mas a política da economia é de não ter mais subsídios. Está suspensa qualquer negociação nesse sentido”, avisou ele. “Na outra ponta da linha, quando se fala em subsídio, alguém vai pagar a conta.”

Mais cedo, na entrada do Palácio da Alvorada, o presidente já avisara que pretendia acabar com benefícios desse tipo. “O

Brasil é o País dos subsídios. Queremos botar um ponto final nisso aí. O nosso caminho é a liberdade econômica e o livre mercado”, insistiu.

Como mostrou o Estado na

última sexta-feira, uma minuta de decreto sobre o chamado “dízimo elétrico” foi preparada pelo Ministério de Minas e Energia e enviada à pasta da Economia, por ordem de Bolsonaro.

A articulaçã­o, porém, provocou atrito no governo, pois a equipe econômica rejeitou a ideia da medida. Auxiliares de Guedes lembraram que atos assim estão na mira do Tribunal de Contas da União (TCU) e desafiam o ajuste fiscal. O TCU considerou que subsídios criados por decreto, sem dotação orçamentár­ia, são inconstitu­cionais.

Popularida­de. Com queda de popularida­de, Bolsonaro age para se aproximar cada vez mais dos evangélico­s, que já são 29% da população brasileira e têm atuado para aprovar projetos de interesse do governo no Congresso Nacional. Líderes evangélico­s ajudaram na campanha do então candidato do PSL, em 2018, e devem apoiar sua provável candidatur­a à reeleição. Muitos deles também têm coletado assinatura­s nas igrejas para a criação do Aliança pelo Brasil, novo partido do presidente.

O Estado apurou que o presidente pretendia mesmo assinar o decreto concedendo subsídio na conta de luz para templos religiosos, mas a medida provocou polêmica até entre seus apoiadores. Na semana passada, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerqu­e, afirmou que o impacto econômico do benefício seria de R$ 37 milhões.

“Não se tratava de isenção, mas, sim, da retirada do horário de ponta a templos religiosos”, disse Silas Câmara ao Estado, em referência ao momento de maior consumo do dia, que se concentra entre o fim da tarde e o início da noite durante dias da semana. “Nunca houve compromiss­o de fazer absolutame­nte nada sobre isso. O que tinha era um estudo e esse estudo provocou esse alvoroço todo. O presidente decide as coisas na medida em que o interesse público e a sua própria equipe acham que é o momento certo.”

Nem todos, porém, concordava­m com o benefício. O deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) – que na semana passada havia classifica­do como “muito bem-vinda” qualquer ajuda dada pelo governo a templos e a instituiçõ­es filantrópi­cas – deu ontem uma estocada em Câmara ao dizer que “a bancada nunca pediu isso (subsídio)” a Bolsonaro. “Talvez tenha sido um pedido de algum parlamenta­r ou alguns isoladamen­te”, afirmou Sóstenes. “Pode criar desgaste

(com a bancada) se alguém pediu esse absurdo. Não creio que alguém tenha coragem de pedir subvenção em energia para instituiçõ­es religiosas”, completou. O vice-líder do governo no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), foi na mesma linha. “Se é para não gastar energia, que as igrejas façam cultos durante o dia”, disse o senador.

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GABRIELA BILO / ESTADÃO Esplanada. Bolsonaro, com o titular de Minas e Energia, Bento Albuquerqu­e (à dir.), ao deixar o ministério; subsídio a igrejas estava sob análise da pasta

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