O Estado de S. Paulo

Startups com verba do SoftBank cortam vagas

Após tropeços do WeWork, que levou o grupo japonês ao 1º prejuízo trimestral em 14 anos, e do Uber, empresas que receberam aportes estão sob pressão; de acordo com analistas, companhias de tecnologia terão de buscar o lucro mais rapidament­e

- Bruno Capelas Bruno Romani

Quatro empresas que receberam aportes do SoftBank – Oyo, Zume, Getaround e Rappi – demitiram 2,6 mil pessoas no mundo. No ano passado, 7 mil vagas haviam sido fechadas. Especialis­tas dizem que é cedo para falar em “bolha”.

Maior investidor em startups nos últimos anos e responsáve­l por dez aportes em empresas brasileira­s só no ano passado, o grupo japonês SoftBank tem vivido dias difíceis. Na semana passada, quatro empresas que receberam aportes da companhia – Oyo, Zume, Getaround e Rappi – demitiram 2,6 mil pessoas no mundo. Em 2019, outras 7 mil vagas tinham sido fechadas em empresas que receberam investimen­tos do SoftBank. Os cortes acenderam um sinal amarelo: será que os bilhões do SoftBank podem levar a uma nova bolha da tecnologia?

A preocupaçã­o ganha força com os casos do Uber e do WeWork, fortemente apoiados pelos japoneses. O primeiro, que abriu capital com altas expectativ­as, demitiu 1,5 mil pessoas e luta para dar lucro. Já o segundo, cancelou os planos de abertura de capital após documentos enviados a investidor­es mostrarem graves falhas de governança. Em poucos dias, a startup de locação de escritório­s teve sua avaliação reduzida de US$ 47 bilhões para US$ 8 bilhões – e precisou de socorro de US$ 10 bilhões do SoftBank, levando os japoneses ao primeiro prejuízo trimestral em 14 anos.

As duas empresas são as principais apostas do Vision Fund, fundo de capital de risco de US$ 100 bilhões liderado pelo SoftBank, mas que conta também com dinheiro da Apple, da Qualcomm e do fundo soberano da Arábia Saudita. Ao assinar altos cheques e decidir de forma rápida, o fundo já foi acusado de supervalor­izar startups.

Para especialis­tas, porém, é cedo para dizer que o SoftBank pode fracassar – e levar o mercado de tecnologia com ele. “Muita gente não entende como funciona o capital de risco. Parte do portfólio vai dar errado mesmo”, afirma Caio Ramalho, pesquisado­r em startups da FGVRJ. “O papel dos fundos é ajudar startups a encontrare­m o melhor caminho – e demitir faz parte disso.” Na semana passada, o Rappi negou que as 300 demissões que fará estejam relacionad­as ao momento do SoftBank.

Segundo Pedro Waengertne­r, professor da ESPM e sócio da empresa de inovação Ace, não é correto analisar o desempenho do Vision Fund no curto prazo – todo fundo de capital de risco tem um prazo para dar retorno a seus investidor­es.

Procurado pelo Estado, o SoftBank informou, em nota, que “continua firme na crença de que empresas baseadas em tecnologia vão revolucion­ar toda a economia”, com investimen­tos gerando “alto impacto e grandes oportunida­des”.

Segundo fontes próximas à empresa, no entanto, o grupo tornou o processo de seleção para novos aportes mais rígido, incluindo profunda análise sobre a governança.

Pressão. Com os solavancos recentes, porém, as startups deverão ser pressionad­as a dar lucro mais rapidament­e. É o que crê Brad Gastwirth, estrategis­ta-chefe de tecnologia da corretora Wedbush Securities. “As empresas precisarão ter modelo de negócios definido quando chegarem à Bolsa.”

A professora de finanças do Insper Andrea Minardi recomenda cautela. “Caixa em excesso faz mal. Tira o foco, gera gastos desnecessá­rios e é difícil recuperar a rentabilid­ade. Haverá reajustes no mercado.”

O raciocínio vale para as startups brasileira­s, diz Leonardo Teixeira, sócio do fundo Iporanga Ventures, investidor de QueroEduca­ção, Loggi e Olist – as duas últimas receberam aportes do SoftBank. “Startups não são imunes a erros.”

É algo que está na cabeça de André Maciel, líder da operação brasileira da gigante japonesa: em evento realizado no fim de 2019, ele falou com franqueza sobre os aportes feitos aqui. “Esperamos mortalidad­e de algumas empresas, o que é natural, mas vamos manter o ritmo de investimen­tos”, frisou.

Para Teixeira, do Iporanga, o tropeço do SoftBank não deve afetar o Brasil, que só agora chega à maturidade. “Pode haver correção na avaliação de algumas empresas, mas o Brasil está num momento de expansão.”

“Muita gente fica assustada, mas não entende como funciona o capital de risco. Parte do portfólio vai dar errado mesmo – e o papel dos fundos é ajudar as startups a encontrare­m o melhor caminho. Reestrutur­ar e demitir faz parte disso.”

Caio Ramalho

PESQUISADO­R DA FGV-RJ

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO - 5/9/2019 Cortes. Colombiana Rappi, que atua no Brasil, anunciou na última semana que vai demitir 300 funcionári­os globalment­e
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