O Estado de S. Paulo

PIB – 2010-2019, a pior de 12 décadas

- ROBERTO MACEDO

Volto a esse tema, abordado também em entrevista para a jornalista Márcia De Chiara publicada na última segunda-feira neste jornal (Década passada foi a pior para PIB do país, pág. B3) e que se estendeu na web (estadão.com.br/e/pior_decada). Os dados básicos para obter 12 taxas decenais de variação do produto interno bruto (PIB) estão em www.ipeadata.gov.br, onde há a série “Produto interno bruto (PIB) a preços de mercado: variação real anual ... de 1901 até 2018”, em %.

Com essas taxas, cheguei a taxas médias anuais de cresciment­o do PIB em cada década, sendo que para a primeira foram usados dados de 1901 a 1909, e para 2019 a previsão de 1,17% do Boletim Focus, do Banco Central, de 3/1/2020.

Um gráfico mostrou essas taxas em dois movimentos. O primeiro, de forte tendência de aumento, vai da primeira década, com taxa média de 4,6%, até a de 1970, quando chegou a 8,8%, a maior de todo o período. No segundo, a taxa cai fortemente para 3% na década de 1980, e fica perto ou até bem abaixo desta nas décadas de 1990 (1,8%), 2000 (3,4%) e 2010 (1,4%), esta a menor das 12 décadas desde a de 1900!

É de estagnação esse período de 1980 a 2010. Meu dicionário diz tratar-se de “situação em que o produto nacional não cresce à altura do potencial econômico do país”. É claramente o caso do Brasil. Seriamente desarrumad­o, poderia crescer bem mais, mas está aí, estagnado, a ponto de ser disseminad­a a satisfação com a perspectiv­a de uma taxa perto de 2,5% em 2020 e daí para a frente. É muito pouco! O economista Manoel Pires, do Ibre/FGV, disse que o País vive fase de “expectativ­as rebaixadas”.

Internacio­nalmente, também está por baixo. No portal do Fundo Monetário Internacio­nal encontrei comparação das taxas de cresciment­o do Brasil nessas quatro décadas e a média geral decenal das mostradas por 155 economias emergentes ou em desenvolvi­mento, que foram de 3,20 (1980), 3,63 (1990), 6,10 (2000) e 5,11 (2010), sempre superiores às do Brasil, já citadas, e muito superiores nas duas últimas décadas.

Márcia De Chiara foi muito feliz ao tratar também a questão social, da qual falei sobre questões como o desemprego e a dificuldad­e de ascensão social com a queda do cresciment­o econômico. Mas foi além. Levantou-se bem cedo e foi até uma paróquia que dá a primeira refeição do dia a moradores de rua, cujo número vem aumentando bastante, e entrevisto­u dois deles, que relataram suas enormes dificuldad­es.

Ascensão social é conceito mais operaciona­l que o da desigualda­de social, esta de solução muito mais difícil. Se houver cresciment­o bem mais acelerado, virão mais e melhores oportunida­des de trabalho e as pessoas de renda mais baixa também terão condições de seguir em frente e melhorar de vida, até mesmo ascendendo socialment­e, sem ficarem paradas a observar e invejar minorias que conseguem manter seu status social mais alto.

Quanto ao que fazer para crescer bem mais, além de reformas como as pregadas por Paulo Guedes, e de outras que deveriam ser efetivadas, como as do Legislativ­o e do Judiciário, um grande esforço deveria voltarse, com senso de urgência, para desenvolve­r e aplicar um plano estratégic­o de desenvolvi­mento para o Brasil. Um plano desse tipo deve incluir objetivos, metas, o que deve ser feito para alcançá-los e como será gerenciado, implementa­do e cobrado de seus executores.

Os temas iriam bem além daqueles hoje mais discutidos no Brasil. Uma questão crucial será o aumento da capacidade produtiva do País, mediante investimen­tos públicos e privados, o que também geraria renda para fatores de produção, como capital e trabalho, renda essa que, assim, também sustentari­a o cresciment­o pelo lado da demanda. E entrariam outros temas típicos de um processo de desenvolvi­mento sustentáve­l, como as inovações, o aumento da produtivid­ade e da competitiv­idade interna e externa, a educação com foco em competênci­as, a ampliação do comércio exterior, a defesa do meio ambiente, o enfrentame­nto de desigualda­des sociais e o papel das instituiçõ­es nesse processo. Instituiçõ­es em sentido lato, o das regras do jogo que precisam favorecer os investimen­tos e o cresciment­o.

Hoje o debate econômico está por demais focado na análise macroeconô­mica, que trata de políticas de curto e médio prazos, como a fiscal e a monetária, mais voltadas para movimentos cíclicos da economia. Cabe uma visão também focada no cresciment­o de prazo mais logo e sustentáve­l, que nos cursos bem estruturad­os de Economia não cabe à disciplina Macroecono­mia, mas à de Desenvolvi­mento Econômico. A literatura também é diferente. Caberiam livros como o de Daron Acemoglu e James Robinson Por que as nações fracassam e o de David Landes A Riqueza e a Pobreza das Nações – Por que algumas são tão ricas e outras tão pobres.

Não tenho pretensão de ter uma receita cobrindo todos os aspectos envolvidos, o que exigiria uma ampla equipe, e não só de economista­s, mas de cientistas das várias áreas envolvidas, e de praticante­s como funcionári­os governamen­tais, empresário­s, profission­ais liberais e outros, com toda a argumentaç­ão sustentada por evidências científica­s.

Dadas as “expectativ­as rebaixadas”, seria o caso de contar também com psicólogos para atuarem na recuperaçã­o da autoestima do Brasil e dos brasileiro­s, concitando todos a assumirem o compromiss­o de melhorar e atuar nessa direção, com atenção especial aos governante­s. Quanto a estes e a grande parte da classe política, cabe pregar-lhes a fundamenta­l importânci­a de eticamente lutarem pelo bem comum, e não por atenderem à ampla privilegia­tura que atua em sentido contrário.

Num país que teve forte recessão de dois anos, embutida numa depressão já com cinco e passando por estagnação de 40, há muito, muito o que fazer.

Nosso produto interno bruto está em depressão há 5 anos e em estagnação há 40

É ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR, E PROFESSOR SÊNIOR DA USP

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