O Estado de S. Paulo

Tragédias anunciadas

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Ajulgar pelo último levantamen­to da Agência Nacional de Águas (ANA) sobre a segurança das barragens, o País não só corre o risco de uma nova tragédia como Mariana ou Brumadinho, como ignora a extensão desse risco e os meios de minimizálo. Isso porque a implementa­ção da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) caminha a duras penas. A classifica­ção das barragens está longe de ser completada e, no mais das vezes, a escassa fiscalizaç­ão opera praticamen­te às cegas. Por conseguint­e, são incipiente­s os processos de correção das irregulari­dades.

A PNSB foi estabeleci­da em 2010 para garantir padrões rigorosos de segurança e ampliar o controle público sobre as obras. As barragens enquadrada­s na PNSB devem elaborar seu Plano de Segurança da Barragem, consolidan­do dados e protocolos referentes à sua estrutura, operação e segurança. Definir se uma barragem se submete ou não à PNSB é portanto fundamenta­l para fiscalizar suas condições e eventualme­nte punir as infrações e cobrar os responsáve­is.

O relatório, feito com dados de 2018 – antes portanto da catástrofe de Brumadinho –, reporta que, das 17.604 barragens cadastrada­s, apenas 7.386 (42%) possuem algum ato de autorizaçã­o. Em 3% dos casos não se sabe sequer quem é o empreended­or responsáve­l.

Até o momento, sabe-se que 4.830 barragens apresentam alguma das caracterís­ticas que as enquadra na PNSB e 1.962 estão isentas. Para as demais 10.812 (61%) não há dados para saber se se enquadram ou não. Das que se enquadram, 68% apresentam Dano Potencial Associado alto e 23% apresentam Categoria de Risco alta, e 19% estão classifica­das em ambos os padrões. Somente 30% das barragens implantara­m o seu Plano de Segurança.

Das 5.086 barragens classifica­das na Categoria de Risco alta, 28% o foram por alguma anomalia grave e 26%, por falta de informação. Pelo menos 68 barragens estão em situação “crítica”, ou seja, apresentam vulnerabil­idades alarmantes, em geral pelo baixo nível de conservaçã­o. Em relação às barragens assim classifica­das em 2017, 20 foram retiradas da lista, mas 25 não remediaram suas deficiênci­as graves. Dessas barragens críticas, 60% pertencem a entidades públicas, na maior parte federais ou estaduais. Ou seja, do que se sabe, o maior risco de nova tragédia vem diretament­e da negligênci­a do poder público na manutenção de suas instalaçõe­s.

Segundo a ANA, uma das razões para o parco progresso na implementa­ção da PNSB é a estrutura dos órgãos fiscalizad­ores, em geral carentes de recursos humanos e financeiro­s, o que resulta em um baixo índice anual de fiscalizaç­ões.

Diante deste cenário, a ANA faz algumas recomendaç­ões.

Dentre elas, que os fiscalizad­ores concentrem esforços para definir se as barragens sob sua jurisdição se enquadram ou não na PNSB, refinando seus cadastros e regulariza­ndo-as quanto à autorizaçã­o. Das instâncias decisórias, a ANA reclama medidas que mobilizem um corpo estável para atuar na implementa­ção da PNSB, já que a rotativida­de dos técnicos é apontada como um dos complicado­res. Além disso, sugere uma rubrica orçamentár­ia específica para segurança de barragens, o que permitiria mais planejamen­to e controle. Para fortalecer e dinamizar a fiscalizaç­ão, recomenda-se o estabeleci­mento de um plano plurianual de fiscalizaç­ão, e a intensific­ação de parcerias com instâncias como a Defesa Civil, serviço geológico ou Polícia Militar. Junto a eles, e também aos empreended­ores, é preciso harmonizar os Planos de Contingênc­ia e de Ação e Emergência.

A ANA aponta a necessidad­e de estudos a fim de criar uma fonte de recursos para dar sustentabi­lidade financeira às ações de segurança, em que usuários beneficiad­os contribuam com os empreended­ores para as ações de operação, manutenção e segurança da barragem. Por fim, é preciso fomentar a cultura da prevenção e não da remediação, promovendo não só junto aos empreended­ores, mas à população, a divulgação de informaçõe­s e protocolos relacionad­os à segurança.

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