Chefe de estatal do Rio afasta ameaça, mas se nega a beber água turva
Queixas sobre cheiro e cor da água fornecida começaram há 10 dias; cientistas da UFRJ veem risco para população
Dez dias depois de receber as primeiras reclamações sobre a qualidade da água que chega às casas no Rio, o presidente da Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae), Hélio Cabral, pediu ontem desculpas à população pelo que chamou de “transtornos”. Descartou, porém, a possibilidade de a empresa reduzir a conta ou ressarcir os cidadãos, que devem buscar seus direitos caso a caso, disse.
E, apesar de garantir que a água não faz mal à saúde e dizer que continua a consumi-la, não aceitou o desafio feito por jornalistas de beber o líquido turvo e malcheiroso que jorra de torneiras nas zonas norte e oeste e em cidades da Baixada Fluminense. “Bebo água da minha casa”, garantiu, bebendo de um copo que estava sobre a mesa – segundo ele, com água da Cedae.
Desde 6 de janeiro, parte da população reclama do cheiro e do gosto da água. Houve relatos de pessoas que passaram mal depois de beber o produto, que também tem gosto de terra. Boatos na internet se multiplicaram, inquietando a população. Com isso, cresceu a corrida pela água mineral, que se tornou artigo raro – e caro.
É o caso da administradora de empresas Karla Souza. De licença-maternidade por causa do nascimento da filha há três semanas, ela deixou de consumir a água da Cedae por causa do cheiro e do gosto. “Até para escovar os dentes é ruim. Sinto cheiro de terra”, disse. “Estou comprando água mineral em distribuidoras porque já está em falta em muitos mercados.”
Algas. Dois dias após constatar o problema, a Cedae, controlada pelo Estado, informou que as características eram causadas pela presença de geosmina. Trata-se de composto orgânico gerado pela proliferação de algas. A Cedae disse que, embora não haja risco à saúde da população, etapa extra de filtragem no processo, com carvão ativado, seria implementada.
Cabral garantiu que 24 horas após a nova filtragem começar, até a semana que vem, a água que deixa a Estação de Tratamento de Guandu já estará limpa. Mas, explicou, não é possível dizer quando chegará limpa às torneiras. “Isso depende. Se a pessoa tiver caixa d’água muito grande, até renovar essa água toda levará um tempo.”
Ele admitiu que não sabe o que estaria causando a coloração mais escura. “A cor da água realmente não tem a ver com geosmina”, disse. Segundo Cabral, os casos de água escura terão de ser analisados individualmente, de porta em porta.
Gerente de controle de qualidade de água da Cedae, Sérgio Marques garantiu que toda a água que sai do Guandu atende a padrões de potabilidade do Ministério da Saúde e as análises foram intensificadas nos últimos dias. Segundo ele, foi detectada só a geosmina em concentração compatível com alteração do gosto, “mas nada alarmante.” O governador Wilson Witzel (PSC) está de férias nos Estados Unidos. Anteontem, ele disse pelas redes sociais ter pedido “apuração rigorosa”.
Ontem, especialistas da Universidade Federal do Rio (UFRJ) divulgaram comunicado em que afirmam que a água pode colocar a saúde da população em risco. “Há evidente degradação ambiental dos mananciais”, dizem. “Essa degradação compromete a qualidade da água, dificulta seu tratamento e pode colocar em risco a população.” A nota foi elaborada por especialistas em ecologia, recursos hídricos, saneamento e saúde pública a pedido da reitoria.
Responsabilização “A água turva pode ser ocasionada por outros problemas: um animal morto no encanamento, uma caixa d’água que não é limpa há 200 anos.”
Hélio Cabral
PRESIDENTE DA CEDAE